31 de janeiro de 2011

APOTEOSE (Mario Monicelli)

Mario Monicelli
Com muita honra, o texto de hoje é contribuição do escritor e cinéfilo, meu pai, Gerson Colombo, autor de "Solilóquio e Outras Histórias Curtas". Divirtam-se.

Quase ao final do ano passado, em 29 de novembro, Mario Monicelli suicidou-se em Roma. Aos 95 anos, o cineasta, um dos “maestros” da comédia italiana, arrojou-se pela janela do Hospital San Giovanni, onde estava internado para tratamento de próstata.

Apesar da obra vastíssima, a crítica internacional sempre o colocou num segundo plano, como um inferior a Fellini, Pasolini, Visconti, Bertolucci, Rosselini, Tornatore e até a Roberto Begnini. Uma tremenda injustiça. Desde 1935, quando lançou “I ragazzi della Via Paal”, com Alberto Mondadori, seu trabalho oscilou entre a comédia e o drama. Dirigiu com maestria os melhores da Itália: Vittorio Gassman, Cláudia Cardinale, Totó, Sophia Loren, Mastroianni, entre outros tantos.

Seu drama era sempre denso e a comédia deliciosa. Para ele o riso do povo era uma arma letal. Deixou isso plasmado em 1971 em “A Mortadela”, com a, ainda exuberante, Sophia Loren, interpretando uma bela napolitana barrada no aeroporto de Nova Iorque porque tinha consigo uma mortadela gigantesca, presente para seu noivo; em 1992, com “Parente é Serpente”, com Tommaso Bianco, ele nos mostra o desinteresse das famílias pelos seus velhos e a superficialidade das relações de parentesco. Mas, sua melhor comédia é de 1966, com Vittorio Gassman, “L’Armata Brancaleone” (O incrível exército de Brancaleone), onde um pequeno grupo de vagabundos esfomeados, durante a Idade Média, parte numa aventura para tomar posse de umas terras no sul da Itália, entre encontros e desencontros, duelos bizarros, Monicelli nos dá uma demonstração de resistência tenaz dos pequenos, dos explorados e excluídos.

O seu melhor drama é de 1966 com Mastroianni, “I Compagni” (Os Companheiros), contando a emblemática luta de um intelectual desempregado, o professor Sinigaglia, na sua tentativa de organizar os trabalhadores de uma fábrica de Turim, no final do século XIX, quando a exploração do trabalho operário não encontrava nenhum limite. O filme proibido durante o período militar, representa o papel do intelectual engajado nos problemas de seu tempo e da sua sociedade, que entende que sua voz há de estar à serviço do povo, e não de interesses privados, mesmo que sejam dos gabinetes de governo, portanto, livre para criar como queira. A figura deste intelectual hoje está esvaziada, ele já não se insurge contra a corrente, pois sua arte é patrocinada pelo poder. Apesar de décadas passadas, o discurso é atual.

Monicelli fechou sua última cena num final apoteótico, da janela do quinto andar do hospital salta sobre o abismo que separa a náusea de uma existência medíocre do sentimento de ser realmente livre para viver as próprias escolhas. Só quem perde com sua partida somos nós, os cinéfilos.

Corta! Grazie, maestro, Monicelli!

Texto publicado originalmente no blog de Gerson Colombo.

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