A trama se inspira no último desastre que aconteceu no Japão (em decorrência do tsunami de 2011). O filme utiliza um olhar pessoal para dissecar as mudanças pelas quais passam duas crianças em um momento de fragilidade e incerteza. Nos primeiros momentos, a menina Haruna aparece retirando os escombros da sua casa a procura do pai e da mãe, mas que, infelizmente, já estão mortos.
Ao lado do irmão Shota, que na realidade não sabe dos destinos dos seus pais, ambos se mudam para a casa dos tios para recomeçarem as suas vidas. Um dos caminhos explorados pela direção é fazer com que as informações importantes a serem compreendidas pelo cinéfilo, sejam colocadas através de situações em que as cenas falam por si: o enterro dos pais das crianças é visto, mas curiosamente não é dito que são eles os mortos, por exemplo.
Esse momento é confirmado somente minutos depois, na cena sobre a guarda das crianças, ou quando ocorre a mudança de forma gradual. Sem querer tratar do assunto de perda de forma direta, mas não conseguindo esconder sempre nas aparências, o cineasta Masakazu Sugita coloca o cinéfilo numa situação similar como a do irmão: temos consciência do que ocorreu, mas, ao mesmo tempo, ficamos com dúvidas, parecendo funcionar como uma espécie de proteção contra a dura verdade.
Devido a isso, o grande clímax é quando a menina desabafa para o seu irmão sobre o que realmente aconteceu com os seus pais, pode ser triste, mas é como se ela tivesse largado uma imensa pedra que estava carregando nas costas. Sempre filmando com enquadramento quase sempre fixo, o diretor nos leva sem pressa alguma, revelando gradualmente os problemas internos dos personagens principais: a tia que, não esconde o desejo de ter uma filha quando começa a pentear os cabelos de sua sobrinha, mas por outro lado, se sente presa em amarras devido à ausência do marido; o primo que gradualmente revela estar completamente insatisfeito em não ser mais a única criança da casa; shota demonstrando inúmeros momentos de pureza, mas não escondendo que já possui certa noção da sua nova realidade; e Haruna adota o papel de irmã mais velha (e porque não dizer mãe precoce) responsável e pouco demonstrando sentimentos por tudo que aconteceu, mas chegará um momento em que suas dores terão que ser colocadas para fora antes que seja tarde demais.
O Desejo da Minha Alma não possui grandes cenas e tão pouco tem essa pretensão. No entanto, é graças ao seu elenco, conduzido de uma forma surpreendente pelo estreante diretor Masakazu Sugita, que se torna uma obra humana sobre aceitar a perda de entes queridos quando acontece e souber da melhor maneira de enfrentar isso, independente de quando isso acontece.
Em 2002 eu estava trabalhando como promotor de venda de consórcios e na hora do almoço meus colegas e eu começamos a conversar sobre filmes de ação. Uma colega minha da época, chamada Patrícia, disse que o melhor filme de ação para ela de todos os tempos era Velozes e Furiosos. Eu, como conhecedor de filmes, disse a ela que, se pensa uma coisa dessas é porque não havia conhecido a trilogia Mad Max de George Miller.
Tudo o que me lembro é que quase saímos no braço, pois ela defendia o filme com unhas e dentes de forma absurda e sem querer compreender a minha opção sobre Mad Max. Quando vejo cada capítulo da cine série protagonizada por Vin Diesel, ou da famigerada “a lá vídeo clipe” franquia de Transformes, percebo que o público jovem de hoje esta mal acostumado com filmes que, não passam de uma pálida imagem do que eram os filmes de ação de verdade dos anos 70 e 80. Mad Max: Estrada da Fúria não só coloca todos esses filmes de ação de hoje no chinelo, como também vai fazer com que muitos cineastas pensem na melhor maneira possível de reinventar o gênero de novo e a tarefa não será fácil.
Mesmo com mais de 60 anos de vida, George Miller retorna a cadeira de cineasta nesse mais novo capítulo e demonstra total liberdade e controle no que sabe fazer de melhor. Nada do que é mostrado em Mad Max é visto hoje em dia, mas sim da maneira como era feito antigamente. Os efeitos especiais aqui são mínimos, mas quando eles são usados, são unicamente para melhor aprimorar o ritmo da trama.
Falando em ritmo, o cinéfilo terá um prólogo para se situar (caso não tenha visto os capítulos anteriores), mas logo é jogado junto com o protagonista Max (Tom Hardy) ao inferno de uma seita. Em poucos minutos, o cineasta deixa a gente sem fôlego, mas não usa inúmeros cortes rápidos nas cenas, mas sim usando momentos rame rate mais baixo do que os 24 quadros por segundo habituais e que provocam uma sensação de movimento acelerado (algo como ocorre quando vemos, hoje em dia, os filmes da época do Cinema mudo, rodados a 16fps). O momento é de tirar o fôlego, mas nada que a gente não compreenda o que tenha acontecido em cena (aprenda, Michael Bay!).
Após a apresentação, descobrimos que o protagonista está servindo de saco de sangue para seguidores de um tirano que auto se proclama um deus chamado Immortan Joe (Keays-Byrne, que também viveu o vilão do primeiro filme) e que usa as mulheres para gerar novos seguidores e dar leite como alimento. Ou seja: mulheres usadas unicamente para procriar e dar alimento para os desesperados da terra devastada que, ainda clamam pela pouca água que o vilão dá para eles. A coisa muda de figura quando Furiosa (Charlize Theron, espetacular) decide fugir com as jovens esposas do tirano e levá-las para uma possível terra prometida que ela conhece.
Claro que, em meio a corridas, mortes e loucura, não demora muito para ela e o anti-herói se cruzarem, mas antes disso, testemunhamos novamente um pouco mais desse dia a dia apocalíptico. Num universo aonde a esperança se torna mínima, tudo que talvez reste para desesperados seja acreditar em algo para ganhar um lugar ao sol. É nesse cenário de crença cega (algo muito bem visto hoje em dia no mundo real) é que conhecemos o crente suicida Nux (Nicholas Hoult de X-Men: Primeira Classe) que, não hesita em se sacrificar em nome de Immortan Joe, mas descobrirá da pior (ou melhor) forma possível de que estava errado.
Tanto essa personagem como a forma que as mulheres são tratadas no filme são, na verdade, uma espécie de metáfora que os roteiristas e o cineasta usam contra as igrejas conservadoras de hoje e com relação a homens que ainda acreditam que tem o direito de usarem as mulheres como bem entendem. Num cenário onde o estado é nulo e o lado bom da humanidade cada vez mais raro, ou você usa todos os métodos para sobreviver contra a insanidade, ou perece antes mesmo de começar a tentar. Não há lugar para sutileza no universo de Mad Max.
Tanto Max como Furiosa são dois seres marcados pelo horror, sendo que o primeiro só se importa em sobreviver e ficar sozinho. Porém, no momento em que dá de encontro com a causa de Furiosa, gradualmente o seu egoísmo é deixado de lado, buscando através de sua missão uma espécie de redenção, para assim se livrar do seu passado que lhe atormenta (visto em poucos flashbacks). Uma vez feito o acordo, o grupo parte para a missão, mesmo sabendo que é suicídio na certa.
No percurso, George Miller capricha ainda mais naquele cenário opressivo, onde o horror se mistura com a beleza vinda do deserto, embalado com uma das mais belas fotografias do ano. Sabiamente tons de cores são muito bem distintos comparados uns ao outro, sendo que ao cair da noite no deserto, o cenário muda, para então saborearmos belas cenas na luz do luar. Isso ocorre justamente quando os personagens buscam um momento de fôlego para, então, partirem em busca de uma terra de paz.
Infelizmente estamos falando do universo de Mad Max e, se vocês se lembrarem de que todo o sacrifício que o protagonista passou no final do segundo filme foi inútil, verá que aqui isso não deixa de ser diferente. O ato final entrega tudo o que é Mad Max é: carros em velocidade, batidas, explosões, sangue, sacrifício e morte. Tudo embalado com uma trilha sonora pesada e que se casa muito bem com cada seqüência de ação que explode em cena.
Se inspirando de forma explicita ao clássico A GENERAL de Buster Keaton e Clyde Bruckman, George Miller fez em Mad Max: Estrada da Fúria o que nenhum outro cineasta fez no gênero de ação nestes últimos dez anos e provando que cinema espetáculo, com apenas um fio de roteiro, pode sim se criar uma verdadeira obra prima da sétima arte.
Se você ainda não assistiu Cake, pode ser que o que mais chame a atenção do filme, à primeira vista, seja a presença de Jennifer Aniston como protagonista num filme fora do seu habitual. Muito bem vista em Hollywood, a "Rachel" do clássico seriado Friends prova que é muito mais do que gargalhadas, 'Brad Pitt' e um rostinho bonito. No filme, dirigido por Daniel Barnz (A Luta por um Ideal), Jennifer tem aqui uma atuação muito convincente, crua, e sem ego. Uma das características marcantes dessa interpretação é que você acredita realmente em ver uma mulher que está sentindo dor. É uma abordagem muito sincera e que se estende além da parte física. A dor afeta a personalidade dessa personagem, embora você não saiba os detalhes, sendo que a condição dela justifica o seu cinismo, o seu sarcasmo e o pessimismo que ela tem perante a vida; não é uma mulher agradável, é uma personagem amarga, mas você entende o motivo de tanta amargura, é uma raiva humanizada.
A atuação de Aniston foi muito elogiada e lhe rendeu algumas indicações em prêmios importantes. Méritos de um trabalho bem feito. Em uma história emoldurada por sofrimentos, ela nos entrega um papel dramático dentro de um contexto que destaca as dores de seus personagens. Com uma narrativa comovente, Cake não se preocupa em apenas falar de tristeza, mesmo que elas sempre apareçam em algum momento do filme. Mas também fala de superação e de como lidar com problemas que tanto nos afetam.
Enquanto alguns preferem viver com a tristeza diariamente, outros tentam se desfazer dela buscando um novo sentido para suas vidas. E é com essa mistura de sentimentos em uma história que em certos momentos se apresenta um pouco enigmática, que o filme mostra que Jennifer Aniston manda muito bem fora da comédia e que a história, mesmo triste, é sem exageros dramáticos escancarados e muito bem contada.
Após as últimas eleições, vivemos uma guerra entre direitistas e esquerdistas, onde cada um acusa o outro de corrupções a todo o momento, como o caso da Petrobrás que já se alastra por meses. Em meio a isso, há pessoas que exigem o Impeachment da Presidente Dilma, novas mudanças na política e, até mesmo, a volta da Ditadura Militar. Aqueles que desejam esse último, vêm de pessoas que, infelizmente, não tem a mínima noção do que estão desejando, sendo que, para compreender melhor os problemas atuais, é preciso fazer uma análise sobre o que aconteceu em histórias passadas do nosso governo.
Depois de ter feito O Longo Amanhecer - Cinebiografia de Celso Furtado, em 2007, o cineasta José Mariani lança agora Um Sonho Intenso, documentário que discute o desenvolvimento socioeconômico do Brasil. O longa-metragem traz inúmeras entrevistas com intelectuais, economistas, historiadores e sociólogos, entre eles Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa, Celso Amorim, Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manuel Cardoso de Melo, entre outros. "Este documentário, de certa forma, é um desdobramento daquele sobre Celso Furtado. Só que, desta vez, o protagonista é o processo, uma visão de história que inclui a história social, cultural, econômica, uma forma de ver a economia de modo orgânico", afirma Mariani.
Não se trata, portanto, de um filme que investiga corrupção ou que se aprofunda na vida de cada Presidente, porém passa uma reflexão densa sobre a história econômica do país desde 1930. Os entrevistados traçam um panorama que põe na mesa os problemas econômicos de todos os períodos políticos e sociais brasileiros com os avanços obtidos nos últimos anos, sem deixar de questionar que tipo de sociedade o país quer de fato.
Um dos principais entrevistados é o economista e ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, que abre e conduz a linha temporal apresentada no filme. Para ele, as privatizações feitas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) "acabaram com o projeto de soberania nacional". Mas num tom de humor negro e pés firmes no chão com relação à história, Maria da Conceição Tavares tem papel mais importante durante as entrevistas. "O Darcy Ribeiro escreveu, nessa altura, que o Brasil iria ser uma democracia original dos trópicos. Eu realmente acreditei. Até hoje, estamos esperando o 'original', mas está vindo, viu?", alerta a economista num tom sarcástico.
Embora surjam direitistas que irão discordar, Conceição Tavares dá também importância da política de criação de emprego durante o governo Lula. "Quando ele disse, na eleição, que iria criar 10 milhões de empregos, o pessoal galhofou. Foi o que ele criou: 10 milhões de empregos. Nem mais nem menos. Nós fomos o único país que, na crise de 2009, não tivemos desemprego", argumenta Maria da Conceição Tavares num ponto crucial do longa.
Luiz Gonzaga Belluzzo confirma: "O Lula manteve a construção institucional que, no Brasil, veio da hiperinflação para cá. É um longo processo de reconstrução, do qual o Fernando Henrique também participou. Eu digo que o que Lula fez foi, na verdade, ter a sabedoria de aproveitar o momento de bons ventos da economia brasileira e deu um destino correto para as políticas sociais. E teve a felicidade de fazer aquilo que todos nós queríamos, que é puxar os debaixo para cima." Finaliza Belluzzo.
Com inúmeros registros históricos de nossa política, onde inúmeros arquivos mostrados na tela se mostram intactos, Um Sonho Intenso é um filme obrigatório para ser visto por todos, pois antes de se tirar qualquer conclusão sobre o estado atual de nossa economia de hoje, nunca é tarde para descobrirmos e estudarmos certas épocas, cuja situação de vida brasileira era muito pior e que a hiperinflação era um mau que essa geração de agora ainda desconhece por completo.
Policiais e funcionários corruptos, um presidente da câmara prepotente e mafioso, um sistema judicial crítico e distante, uma igreja que abençoa isto tudo, e um cidadão perdido nesta rede kafkiana que só tem a vodka para ajudar a esquecer o desespero. Bem-vindos à Rússia moderna. Mas será só na Rússia? Se houvesse um banqueiro, o retrato iria parecer ainda mais familiar.
Andrey Zvyagintsev utiliza o drama da luta inglória de um cidadão comum contra o sistema - uma espécie de "David contra Golias" - como base para efetuar uma sátira política sem qualquer condescendência à decadente Rússia contemporânea, asfixiada por um onipresente e totalitário Estado tirânico e corrupto. E atira-se de pés juntos, expondo, de forma metafórica (os simbolismos estão por toda a parte, inclusive no próprio titulo, uma vez que leviatã era uma criatura mitológica que se assemelhava a um grande polvo ou baleia), com um humor negro e sarcástico sublime, as promíscuas e imorais interligações tentaculares entre o poder político, judicial e religioso (não poupando nenhum extrato social, afinal todos fazem parte e/ou são coniventes de algum modo, mais que não seja pela sua passividade, com a "máquina instalada").
Estamos, portanto, perante um filme duro e intenso (contudo, sutil), sem réstia de esperança e/ou sem qualquer mensagem edificante (mas o mais angustiante é que este acaba por constituir uma quase- parábola universal. Um desmoronamento de uma Rússia sem ética, moral, valores ou justiça. Andrey Zvyagintsev trouxe ao cinema um irônico e provocador retrato de uma sociedade em crise e decadente, onde o poder, a religião, a política e as influências dominam a lei e as decisões.
Atualmente existe uma corrida sem precedentes para se conseguir um lugar ao sol ou, mais precisamente, no lugar onde você trabalha para ser bem reconhecido. O problema é que tudo se torna corriqueiro, banal, ao ponto de tudo ficar no piloto automático, chegando ao fato que é preciso ter um grande talento para que outros percebam que você existe, pois eles também vivem de forma alienada e sem perspectiva. O Duplo é basicamente isso: uma luta para se fazer com que as pessoas prestem atenção em você, mas se você não se esforça, então você se torna insignificante, mesmo quando você não mereça tal fardo.
Ao vermos Simon (Jesse Eisenberg de A Rede Social) em seu dia a dia no trabalho, percebemos que, por mais que ele se esforce, as pessoas o desprezam, ao ponto daquele ambiente (meio retrô, meio futurístico) se torne um verdadeiro pesadelo. A situação não é muito diferente na sua vida familiar, pois a mãe dele vive num asilo e, mesmo a visitando com frequência, ela pouco valoriza isso. O único consolo do protagonista é em suas investidas em sua colega e vizinha (Mia Wasikowska de Alice no País das Maravilhas), mas por ela mesma viver às vezes no piloto automático, não percebe as qualidades dele.
Tudo muda (e piora) quando entra em cena James (também Jesse Eisenberg) que é idêntico ao protagonista, mas diferente dele, possui uma grande auto-estima, mulherengo e muito bem reconhecido no trabalho. É tudo o que Simon deveria ser, mas não é, o fazendo então enfrentar uma realidade cada vez mais dura, aonde vive sofrendo a sombra do outro. Mas, no decorrer do filme, se levanta uma pergunta que não quer calar: são duas pessoas diferentes ou é a mesma pessoa o tempo todo?
Essa pergunta, e outras que surgem no decorrer da projeção, são difíceis de serem respondidas, pois o cineasta Richard Ayoade (A Vida e Morte de Peter Sellers) está mais preocupado em tornar a vida do protagonista numa verdadeira Via Crúcis, embalado com um humor negro assustador vindo dos personagens secundários. Além disso, sua montagem rápida das cenas tornam o filme dinâmico, mas ao mesmo tempo um tanto que apressado demais. A sensação que fica é que o diretor queria passar um filme com inúmeros quebra cabeças, mas, na pressa, criou um final que talvez muitos não irão compreender.
Com momentos que lembram O Inquilino (de Polanski), Cisne Negro, O Clube Da Luta e o recente O Homem Duplicado, O Duplo é um filme inquietante, pertubador e, para o bem ou para mal, não deseja que você fique em nenhum momento pouco confortável durante a sessão.