19 de maio de 2015

MAD MAX: ESTRADA DA FÚRIA (Mad Max: Fury Road, 2015)

Em 2002 eu estava trabalhando como promotor de venda de consórcios e na hora do almoço meus colegas e eu começamos a conversar sobre filmes de ação. Uma colega minha da época, chamada Patrícia, disse que o melhor filme de ação para ela de todos os tempos era Velozes e Furiosos. Eu, como conhecedor de filmes, disse a ela que, se pensa uma coisa dessas é porque não havia conhecido a trilogia Mad Max de George Miller.

Tudo o que me lembro é que quase saímos no braço, pois ela defendia o filme com unhas e dentes de forma absurda e sem querer compreender a minha opção sobre Mad Max. Quando vejo cada capítulo da cine série protagonizada por Vin Diesel, ou da famigerada “a lá vídeo clipe” franquia de Transformes, percebo que o público jovem de hoje esta mal acostumado com filmes que, não passam de uma pálida imagem do que eram os filmes de ação de verdade dos anos 70 e 80. Mad Max: Estrada da Fúria não só coloca todos esses filmes de ação de hoje no chinelo, como também vai fazer com que muitos cineastas pensem na melhor maneira possível de reinventar o gênero de novo e a tarefa não será fácil.

Mesmo com mais de 60 anos de vida, George Miller retorna a cadeira de cineasta nesse mais novo capítulo e demonstra total liberdade e controle no que sabe fazer de melhor. Nada do que é mostrado em Mad Max é visto hoje em dia, mas sim da maneira como era feito antigamente. Os efeitos especiais aqui são mínimos, mas quando eles são usados, são unicamente para melhor aprimorar o ritmo da trama.

Falando em ritmo, o cinéfilo terá um prólogo para se situar (caso não tenha visto os capítulos anteriores), mas logo é jogado junto com o protagonista Max (Tom Hardy) ao inferno de uma seita. Em poucos minutos, o cineasta deixa a gente sem fôlego, mas não usa inúmeros cortes rápidos nas cenas, mas sim usando momentos rame rate mais baixo do que os 24 quadros por segundo habituais e que provocam uma sensação de movimento acelerado (algo como ocorre quando vemos, hoje em dia, os filmes da época do Cinema mudo, rodados a 16fps). O momento é de tirar o fôlego, mas nada que a gente não compreenda o que tenha acontecido em cena (aprenda, Michael Bay!).

Após a apresentação, descobrimos que o protagonista está servindo de saco de sangue para seguidores de um tirano que auto se proclama um deus chamado Immortan Joe (Keays-Byrne, que também viveu o vilão do primeiro filme) e que usa as mulheres para gerar novos seguidores e dar leite como alimento. Ou seja: mulheres usadas unicamente para procriar e dar alimento para os desesperados da terra devastada que, ainda clamam pela pouca água que o vilão dá para eles. A coisa muda de figura quando Furiosa (Charlize Theron, espetacular) decide fugir com as jovens esposas do tirano e levá-las para uma possível terra prometida que ela conhece.

Claro que, em meio a corridas, mortes e loucura, não demora muito para ela e o anti-herói se cruzarem, mas antes disso, testemunhamos novamente um pouco mais desse dia a dia apocalíptico. Num universo aonde a esperança se torna mínima, tudo que talvez reste para desesperados seja acreditar em algo para ganhar um lugar ao sol. É nesse cenário de crença cega (algo muito bem visto hoje em dia no mundo real) é que conhecemos o crente suicida Nux (Nicholas Hoult de X-Men: Primeira Classe) que, não hesita em se sacrificar em nome de Immortan Joe, mas descobrirá da pior (ou melhor) forma possível de que estava errado.

Tanto essa personagem como a forma que as mulheres são tratadas no filme são, na verdade, uma espécie de metáfora que os roteiristas e o cineasta usam contra as igrejas conservadoras de hoje e com relação a homens que ainda acreditam que tem o direito de usarem as mulheres como bem entendem. Num cenário onde o estado é nulo e o lado bom da humanidade cada vez mais raro, ou você usa todos os métodos para sobreviver contra a insanidade, ou perece antes mesmo de começar a tentar. Não há lugar para sutileza no universo de Mad Max.

Tanto Max como Furiosa são dois seres marcados pelo horror, sendo que o primeiro só se importa em sobreviver e ficar sozinho. Porém, no momento em que dá de encontro com a causa de Furiosa, gradualmente o seu egoísmo é deixado de lado, buscando através de sua missão uma espécie de redenção, para assim se livrar do seu passado que lhe atormenta (visto em poucos flashbacks). Uma vez feito o acordo, o grupo parte para a missão, mesmo sabendo que é suicídio na certa.

No percurso, George Miller capricha ainda mais naquele cenário opressivo, onde o horror se mistura com a beleza vinda do deserto, embalado com uma das mais belas fotografias do ano. Sabiamente tons de cores são muito bem distintos comparados uns ao outro, sendo que ao cair da noite no deserto, o cenário muda, para então saborearmos belas cenas na luz do luar. Isso ocorre justamente quando os personagens buscam um momento de fôlego para, então, partirem em busca de uma terra de paz.

Infelizmente estamos falando do universo de Mad Max e, se vocês se lembrarem de que todo o sacrifício que o protagonista passou no final do segundo filme foi inútil, verá que aqui isso não deixa de ser diferente. O ato final entrega tudo o que é Mad Max é: carros em velocidade, batidas, explosões, sangue, sacrifício e morte. Tudo embalado com uma trilha sonora pesada e que se casa muito bem com cada seqüência de ação que explode em cena.

Se inspirando de forma explicita ao clássico A GENERAL de Buster Keaton e Clyde Bruckman, George Miller fez em Mad Max: Estrada da Fúria o que nenhum outro cineasta fez no gênero de ação nestes últimos dez anos e provando que cinema espetáculo, com apenas um fio de roteiro, pode sim se criar uma verdadeira obra prima da sétima arte.


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