31 de março de 2015

BRANCO SAI, PRETO FICA (2015)

Branco Sai Preto Fica, do cineasta Adirley Queirós namora com o Cinema marginal dos anos 60 e 70, nitidamente se inspirando em filmes de Rogério Sganzerla e Andrea Tonacci (O bandido da luz vermelha e Bang bang). Aqui as regras da verossimilhança são quebradas na construção da trama: desdém aos gêneros, quadrinhos, animação, musical, cultura pop, satírico, documental, ficção, tudo misturado num imenso liquidificador e criando um sabor genuíno.

Nessa salada, Queirós deixa o cinéfilo com a pulga atrás da orelha, pois a ficção e documentário se misturam a todo o momento (lembrando obras recentes como Castanha). Pegando um evento traumático que ocorreu na metade dos anos 80, na cidade satélite de Ceilândia, o cineasta quer falar sobre preconceito e a separação das classes sociais em Brasília (e o Brasil como um todo). Durante um baile funk, policiais militares invadiram e atacaram a socos as pessoas negras do local. Aos gritos, a pessoa que se diz autoridade disse: "Branco sai preto fica". Entre os sobreviventes, acompanhamos as histórias de dois dos dançarinos: Marquim e Sartana. Marquim perdeu o movimento das pernas e Sartana usa perna mecânica, consequência da selvageria policial. Com sonhos arruinados, os dois, na parte fictícia, criam um esquema para destruir a capital do país: lançar uma bomba "cultural", que contém músicas e outros itens que eles consideram importantes e que serão usados como arma contra o preconceito. O filme se passa em três tempos: passado (por meio das fotos e matérias de época, além da narração off e depoimentos), presente (a vida atual dos dois sobreviventes, que moram em Ceilândia e sofrem com a questão da pobreza e do fato de serem deficientes físicos.) e futuro (um vingador vem do futuro para colher registros que comprovem a violência criada pelos policiais). É justamente na parte ficção científica em que o filme nos puxa certas risadas e ganha atenção total do cinéfilo: de uma forma bem simples tecnicamente, mostra um diálogo através de um telão, sendo que esses momentos remetem ao clássico seriado Jornada nas Estrelas. Mostra uma viagem pelo espaço usando trilhos do metrô e um quiosque metálico onde o personagem viaja pelo tempo. Ame ou odeie o filme, uma coisa não há como negar de forma alguma: a coragem do cineasta em querer fazer o seu filme, da sua maneira e sem se intimidar com as suas consequências. Tendo a segurança pelo que faz, apenas pela paixão de gostar naquilo que está criando, se inspirando numa história trágica de seus protagonistas, em meio a uma trilha que remete os bons tempos dos bailes funk, para não dizer.


30 de março de 2015

O SAL DA TERRA (2014)

Certa vez, Bette Davis (A Malvada) reclamou que quando a cor surgiu no cinema a sua arte havia morrido. Embora polêmica a declaração, talvez em parte ela esteja certa, pois o preto e branco possui a força de conseguir extrair toda a beleza e vida da cena e fazendo com que apreciemos muito mais o que está a nossa frente. Talvez Sebastião Salgado tenha compreendido isso quando jovem, pois cada uma de suas fotografias em preto e branco, seja de ontem ou hoje, é uma verdadeira revelação para os nossos olhos.

Dirigido por Wim Wenders (Asas do Desejo), acompanhamos nesse documentário a trajetória de Sebastião Salgado que foi de um futuro promissor na área da economia para se tornar um dos mais respeitáveis fotógrafos do mundo. Do seu exílio fora do país (devido à ditadura) conheceu o seu grande amor Lélia Wanick, sendo ela responsável por ele seguir (meio que sem querer) a área do qual se tornou profissional e explorador.

O filme também possui co-direção de Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotografo que, graças a esse projeto, conseguiu compreender um pouco melhor a ausência do seu pai ao longo de sua vida. Ambos nunca tiveram atritos com relação a isso, mas se houve no seu íntimo, Juliano resolveu exorcizar de uma vez só, tanto que, ao lado do diretor alemão, conseguiu encontrar o mais intimo e profundo lado humanista que o seu pai possui.

De volta ao Brasil nos anos 80, Sebastião decidiu criar trabalhos com a fotografia que sintetizassem as diversas facetas do homem perante o mundo que vive. O pontapé inicial que colocou a sua obra em evidência foi quando ele tirou inúmeras fotos dos mineiros da Serra Pelada, na época em que homens pareciam escravos, na busca por riqueza e glória. As imagens de inúmeras classes, mesmo aquelas com as suas vidas definidas, sintetizaram a loucura em busca de uma riqueza escondida.

Nestes momentos que se destrincha a alma do fotografo, tanto Wenders como Juliano Ribeiro cumprem bem os seus papéis como cineastas e ouvintes. Porém, a sensação que se passa a todo o momento, é que o próprio Sebastião que dirige a trama, colocando a nossa frente as suas fotografias, e graças à sua narração mansa, se tem, então, o palco formado. Da parte técnica é preciso reconhecer o belo trabalho de montagem de Maxine Goedicke e Rob Myers que, mesclam cenas em preto e branco, cenas coloridas de arquivo e um incontável número de fotografias.

Esse trabalho da dupla na montagem encontra o seu ápice no momento em que o filme foca a trajetória do fotografo nos países da África. É aí então que documentário entra num território que talvez ninguém queira encarar, nem o mais humanista dos seres humanos, mas é algo que é preciso ser visto por todos os povos. Sebastião esteve em países como Etiópia e Ruanda, onde a política, fome e o pior lado do ser humano, desencadearam cenários que representam o que seria um verdadeiro inferno na terra.

Sebastião faz um duro e seco desabafo com relação ao que viu e registrou, fazendo ele até desacreditar da existência de Deus. Em suas fotos, ele registra crianças, mas com olhares jaz velhos e definhando. Homens largando os seus filhos mortos em um entulho de cadáveres como se fossem lixo e a procura por uma terra prometida se torna um sonho praticamente impossível.

As imagens vistas na tela são terríveis, onde não se precisa enxergar a cor desoladora do cenário, pois basta ver o olhar da morte escancarada no rosto daquela gente, para então compreendemos que um filme de terror habitual é piada perante o verdadeiro terror daquela vida real. São poucas as fotos que se registra alguma esperança: a fotografia de um menino de costas ao lado de seu cachorro é o testemunho de uma pequena força que segue em frente, mesmo com um futuro incerto.

Após essa cruzada desoladora, Sebastião ficou doente fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Sua volta por cima se encontrou justamente ao voltar para a fazenda onde cresceu e tentar revitalizar a vida da terra de seus pais. O resultado foi o encontro do fotógrafo perante a força e beleza da natureza, da qual se revitaliza, assim como aqueles que moram à sua volta. Percebendo isso, Sebastião criou novamente um dos seus trabalhos mais fantásticos da carreira: Gênesis.

Nessa sua nova cruzada, Sebastião registrou lugares pouco explorados pelo homem, encontrando povos até então desconhecidos e paisagens das quais nem a sua própria fotografia consegue registrar tamanha beleza. Esse projeto fez com que ele voltasse a ter esperança perante o mundo em que vive e revitalizasse a sua missão: registrar imagens das quais a sua fotografia em preto e branco extrai o que as fotografias a cores (e digitais) não conseguem nos passar.

Sal da Terra une beleza e horror num único documentário, onde ficamos chocados e deslumbrados com o que o nosso mundo pode nos oferecer. Tudo isso vindo das mãos e do olhar de um homem comum, mas que nos brindou com imagens nunca antes vistas, registrados com o seu olhar pessoal com relação ao mundo em que vivemos. Desde já um dos melhores filmes do ano.


Better Call Saul ainda não deu linha

Better Call Saul MR. WHITE!

Disponível semanalmente às terças-feiras no Netflix, “Better Call Saul” ainda não encanta e a comparação com “Breaking Bad” é inevitável.
Considerada por alguns como a melhor série televisiva de todos os tempos (inclusive por mim, em termos de produção, direção, roteirização e atuação), Breaking Bad trazia (resumidamente) em seus 62 episódios, a história de Walter White (Bryan Cranston), um professor de química falido que ao descobrir um câncer terminal resolve produzir meta-anfetamina a fim ganhar uma grande fortuna para deixar para sua família através do tráfico de drogas. Ao longo da história ele toma gosto pelo poder e entra em embate para se tornar o líder do tráfico de drogas. No meio do caminho ele acaba precisando do advogado Saul Goodman (Bob Odenkirk) para ajudá-lo com a lavagem de dinheiro. A série tinha momentos de muita ação visceral, muito suspense, dramas profundos e a melhor dose de comédia possível desde o primeiro minuto da primeira temporada.

Em Breaking Bad, Saul Goodman conquistou o público pelo jeito desastrado de resolver as coisas e pelos péssimos comerciais de TV. A produção da série até criou um site como se fosse real. A fama foi tão grande que o criador Vince Gilligan resolveu elaborar um spin-off (uma série derivada da original). A nova série, específica para o personagem Saul Goodman, conta a origem da sua história e a expetativa é que a linha do tempo o leve até o encontro com Walter White. O curioso é que ela promete trazer de volta alguns personagens coadjuvantes da série Breaking Bad, como já fez com o ex-policial Mike Ehrmantraut e o traficante Tuco Salamanca, inclusive de Jesse Pinkman (Aaron Paul).
A série já está programada para, pelo menos, duas temporadas. Alguns críticos americanos, no entanto, apontam que talvez não dure mais do que isso. A série focada em um personagem cômico está muito mais dramática do que sua antecessora. Há pouca ação e pouca comédia. A nova série se propõe a construir uma história, desconstruindo o personagem central. No início do primeiro episódio ele é mostrado no período pós-Breaking Bad e deprimido e em seguida nos é apresentado como Jimmy McGill, um advogado falido tentando construir sua carreira de forma honesta. A curiosidade fica na razão que o leva a mudar de nome. Essa jogada talvez seja sua sina, pois a série anterior já começava com uma cena de ação cômica, prendendo em muito a atenção dos espectadores para o próximo episódio.

Better Call Saul ainda não cativou, mas não se pode subestimar a genialidade de Vince Gilligan. Há sempre a perspectiva de que a série pode estourar de uma cena pra outra e se tornar outro fenômeno. Por enquanto, só saudades da dupla Walter White e Jesse Pinkman.

Até a próxima!


VELOZES E FURIOSOS 7 02 DE ABRIL NOS CINEMAS

Verifique classificação indicativa.
VELOZES E FURIOSOS 7
Gênero: Ação/Thriller 
Elenco: Vin Diesel, Paul Walker, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Jordana Brewster, Tyrese Gibson, Chris “Ludacris” Bridges, Elsa Pataky, Lucas Black, Jason Statham, Djimon Hounsou, Tony Jaa, Ronda Rousey, Nathalie Emmanuel, Kurt Russell e Jason Statham
Direção: James Wan
Roteiro: Chris Morgan 
Produzido por: Neal Moritz, Vin Diesel, Michael Fottrell
Produção Executiva: Samantha Vincent, Amanda Lewis, Chris Morgan


Sinopse: Dando continuidade às aventuras globais da franquia construída à base de velocidade, Vin Diesel, Paul Walker e Dwayne Johnson lideram o elenco de “Velozes e Furiosos 7”. O novo capítulo da série de sucesso conta com direção de James Wan e ainda traz de volta os atores Michelle Rodriguez, Jordana Brewster, Tyrese Gibson, Chris Brigdes “Ludacris”, Elsa Pataky e Lucas Black. A franquia ainda traz novos astros internacionais ao elenco, dentre eles Jason Statham, Djimon Hounsou, Tony Jaa, Ronda Rousey, Nathalie Emmanuel e Kurt Russell. Neal H. Moritz, Vin Diesel e Michael Fottrell voltam a produzir o filme que conta com roteiro de Chris Morgan.



23 de março de 2015

O GAROTO DA CASA AO LADO 26 DE MARÇO NOS CINEMAS

Não recomendado para menores de dezesseis anos.


Distribuidora: Universal
Estreia: 26 de março
Gênero: Thriller Psicológico 
Elenco: Jennifer Lopez, Ryan Guzman, John Corbett, Ian Nelson e Kristin Chenoweth
Direção: Rob Cohen
Roteiro: Barbara Curry
Produção: Jason Blum, John Jacobs, Elaine Goldsmith-Thomas, Benny Medina, Jennifer Lopez
Produção Executiva: Couper Samuelson, Jeanette Volturno-Brill, Zac Unterman

Sinopse: Jennifer Lopez lidera o elenco de “O Garoto da Casa ao Lado”, um thriller psicológico que explora uma atração proibida que acaba indo longe demais. Dirigido por Rob Cohen (Velozes e Furiosos) e escrito por Barbara Curry, o filme ainda conta com Ryan Guzman, John Corbett e Kristin Chenoweth. 

“O Garoto da Casa ao Lado” é produzido por Jason Blum, da Blumhouse Productions, Jennifer Lopez, Elaine Goldsmith-Thomas, da Nuyorican Productions, Benny Medina, da Medina Company e John Jacobs, da Smart Entertainment.

20 de março de 2015

Mapa Para as Estrelas (Maps to the Stars, 2014)

David Cronenberg continua sendo uma pessoa que vai ao extremo. Depois de destrinchar terras tão distintas quanto o body horror (gênero do qual ele é um dos grandes cultores, desde pelo menos Calafrios [1975]), clássicos da literatura outré (Mistérios e Paixões, de 1991, e Crash – Estranhos Prazeres, de 1996) e uma recente mudança pelo universo da moral e tentativa da prática do bem (Marcas da Violência, Senhores do Crime), o diretor agora se envereda pelo lado obscuro do mundo das celebridades, com Mapas para as Estrelas

Um dos filmes mais corajosos do ano que passou, possui uma critica forte sobre figuras imprevisíveis, mas que jamais escondem o seu lado frágil. Havana Segrand (Julianne Moore, numa interpretação espetacular) é uma atriz, cujo brilho se encontra desgastado, vivendo assombrada pela imagem de sua mãe já falecida (Sarah Gadon), de quem guardou apenas lembranças ruins e pecaminosas. Agatha (Mia Wasikowska) tem o corpo marcado por cicatrizes, e chega a Hollywood com um passado obscuro e que irá confrontá-lo de frente. Já Benjie Weiss (Evan Bird) é uma espécie de Justin Bieber caricato e mimado, sendo filho de um casal que oculta a rotina oprimente sob uma aparência de sofisticação (John Cusack e Olivia Williams).

Pouco que eu descrevi acima mal dá para sintetizar o teor dramático e o humor negro em doses cavalares que permeiam todo o decorrer do filme. Há humor, mas não rimos e sim nos espantamos, já que Mapa para as Estrelas acrescenta mais uma incômoda investigação pessoal, da qual o diretor minuciosamente disseca desde os anos 1960 sobre a natureza mais escura do ser humano.

Cronenberg, porém, consegue isso de uma forma ainda refinada, com uma abordagem mais pelo lado do terror psicológico (estilo visto em filmes como Cisne Negro), longe da violência explícita que tornaram seu cinema cultuado nos anos 70 e inicio dos 80. Aqui, o que começa como uma apresentação do lado mais fútil das celebridades vai se transformando numa trama tensa, chocante e enveredando para um final que com certeza irá dividir a opinião das pessoas que assistirem. Eu conhecendo como ninguém Cronenberg, esse final não poderia ser diferente.

O elenco é a chave do sucesso para o filme: Julianne Moore entrega mais uma vez um desempenho brilhante, num ano que comoveu plateias e a Academia de Hollywood, como a professora com Alzheimer de Para Sempre Alice. John Cusack parece que finalmente decidiu voltar a atuar de verdade, como o manipulador Dr. Weiss. E Evan Bird, da série de tv The Killing – Além de um Crime, é uma revelação, enfrentando um dos personagens mais desagradáveis do filme com perfeição. Difícil falar dos demais – Mia Wasikowska, de Alice no País das Maravilhas, e Robert Pattinson, da série Crepúsculo, também possuem desempenhos convincentes, assim como o lado técnico da obra. A fotografia de Peter Suschitzky, parceiro habitual do cineasta, e a trilha de Howard Shore, ambas são irretocáveis. 

Infelizmente devido ao seu teor forte (com direito até mesmo a cena de incesto) Mapas para Estrelas esta sendo exibido em poucos cinemas do circuito. Porém, é um filme que irá sobreviver com o tempo na memória de todos os cinéfilos, mesmo para aqueles com o estômago frágil.
 

10 de março de 2015

Kingsman: Serviço Secreto (2014)

Mathew Vaughn é o tipo de diretor que, ao impressionar na primeira obra, ganha carta branca para fazer o que bem entender nos filmes seguintes. Se ele havia impressionado com o humor negro, critico, cartunesco e violento em Kick-Ass, ele injetou novo frescor e originalidade na franquia X-Men no filme Primeira Classe. Mais do que uma nova adaptação de uma HQ, Kingsman: Serviço Secreto é uma divertida, crítica e violenta homenagem aos filmes de espionagem de antigamente, mas que, ao mesmo tempo, não se esquece de que forma são feitos os espiões de hoje da ficção como, por exemplo, o agente da trilogia Bourne.

A história é simples: o veterano agente Harry (Colin Firth) de uma organização super secreta inglesa, decide treinar um rapaz Eggy (Taron Egerton) que era filho de um colega seu já falecido, para que ambos enfrentem um megalomaníaco multimilionário (Samuel L. Jackson), dono de uma empresa de informática que, decide eliminar boa parte da humanidade para salvar a terra. Até ai a trama não parece nada original, mas é a mão do diretor que faz toda a diferença.

Pode-se dizer que Vaughn não está nenhum pouco preocupado com o que irão achar do seu filme, pois é uma obra da qual você não pode levar a sério em nenhum momento, devido ao seu alto grau de inverossimilhança, ou então você leva a sério e simplesmente o risca de sua memória. Porém, fazendo isso, perderá duas horas de pura diversão e entretenimento infalível, do que qual o roteiro não poupa nada e nem ninguém. Só para se ter uma ideia o filme cutuca o fato de que a maioria dos líderes do mundo são comprados facilmente, que as pessoas são verdadeiros zumbis consumistas que, são comprados facilmente por bugigangas da era da informação rápida e sem se preocupar com as suas consequências.

Em meio a isso, nos divertimos com o treinamento de Eggy em que aos poucos se destaca em desafios severos, porém, essenciais para a sua aprovação. É sempre divertido ver momentos em que o agente Harry gradualmente passa o bastão de sucessão para seu aprendiz que, por sua vez, começa a gostar do lado cavaleiro de um agente britânico. Mas, por trás do lado refinado desses agentes, se encontram verdadeiras maquinas mortíferas que não medem esforços para salvar o mundo, nem que para isso custem as cabeças (literalmente) de muitas pessoas importantes. 

Mathew Vaughn não tira o pé do acelerador nos momentos em que a violência simplesmente explode na tela. Vindo com ela, é preciso dar palmas pela coragem ao acrescentar uma dura crítica às igrejas de hoje que, mais parecem indústrias que consomem o dinheiro de fiéis cegos. Só assim para explicar o que acontece dentro de uma igreja batista, em que o protagonista se vê em meio a fiéis, liderados por um pastor que solta pesadas palavras racistas e homofóbicas.

O que vêm em seguida começa com palavras fortes e criticas vindas do protagonista, mas que com certeza todos aqueles que assistem um dia queriam dizer, mas só não falam devido às consequências. O protagonista se vê em meio a um verdadeiro massacre dentro da igreja, onde ele mesmo precisará matar para conseguir sobreviver em meio ao inferno. Usando planos sequências rápidos (aliado com o melhor de efeitos visuais) o diretor cria aqui uma sequência que, com certeza irá gerar polêmicas, elogios e não me surpreenderia em ser apontado como um dos momentos mais corajosos do cinema do ano.

O que se vê depois são os efeitos desse momento e o terceiro ato se torna a velha história de sempre de salvar o mundo, Porém, lá ainda se encontram a violência, câmera movimentada e até mesmo uma pitada de critica com o lado mais irracional do ser humano. Não me surpreenderia se Mathew Vaughn tenha ouvido falar sobre o alto grau de violência de determinadas cidades do mundo. Só dessa forma então para explicar o fato de ele usar justamente a praia do RJ como cenário de uma cena chave, onde com certeza irá puxar risos do público brasileiro, consciente do que realmente acontece no cartão postal carioca na vida real.

Com um final que dá uma dica de uma possível nova franquia, Kingsman: Serviço Secreto é aquele típico filme que não mede papas na língua para criticar, mas ao mesmo tempo de entreter com um humor negro acalorado, mas ao mesmo tempo muito bem vindo.


9 de março de 2015

Para Sempre Alice (Still Alice, 2014)

Há alguns trabalhos indicados ao Oscar de melhor atriz neste ano que são realmente impressionantes, mas é impossível não se encantar com Julianne Moore em Para Sempre Alice, filme que é carregado pela atuação da atriz em grande momento de sua carreira impecável.
Adaptado de romance do mesmo nome, Para Sempre Alice acompanha uma professora universitária de meia idade que descobre um tipo raro de Mal de Alzheimer. Ironias à parte, ela, especialista em linguística, se vê perdendo tudo aquilo que conquistou ao longo da vida: a admiração dos que vivem em seu entorno, a capacidade de se comunicar, a memória sobre quem ama.

Há um tom um pouco exagerado no lado dramático na adaptação que não esconde o uso do lado mais emocional. O roteiro escrito pela dupla que também assina a direção - os novatos Wash Westmoreland e Richard Glatzer - não tenta fugir das fórmulas que estamos tão acostumados a ver em retratos de personagens rumo a sua via crucis. Para Sempre Alice é como uma versão até leve de Amor, filme de Michael Haneke que venceu a estatueta de filme estrangeiro em 2012.

No entanto, o lado sensível da atuação de Julianne Moore impede o filme de se tornar um mero retrato pálido de uma personagem cuja personalidade vai se deteriorando à nossa frente. Sempre segura em sua interpretação, Moore nos conecta a esta personagem cheia de personalidade, mesmo quando a trilha insiste em tentar levar os cinéfilos á encher os olhos de lágrimas.

Se por um lado há muito açúcar nesta xícara, Para Sempre Alice pelo menos tem personalidade própria. De alguma forma, o filme consegue enlaçar a trama com o cinéfilo que assiste, mesmo quando determinados coadjuvantes entram e saem sem a gente se importar muito com eles. Alice possui filhos e marido, mas são tão presos em suas individualidades que eles lidam de maneiras diferentes com a doença da protagonista. O comportamento oposto entre Anna (Kate Bosworth) e Lydia (Kristen Stewart) humaniza esta trajetória, assim como a possível insensibilidade de seu companheiro, vivido por Alec Baldwin.

É difícil não desejar ficar ao lado de Alice e sentir sua impotência perante o seu mundo. Perdendo as memórias e as lembranças responsáveis por sua conexão com a realidade em que vive, a personagem parece perder a si mesma. O título do filme dá a entender que ela será para sempre a mulher forte que vemos nos primeiros momentos da projeção. Viva na memória das pessoas que ama, talvez ainda seja possível. Isso, obviamente, se você beber uma boa dose de fé perante os obstáculos.


2 de março de 2015

Nostalgia da Luz (2010)

O documentário chileno Nostalgia da Luz nos brinda como cenário principal o Deserto do Atacama, onde astrônomos se utilizam da transparência do céu para explorar a infinitude do universo em busca de vida extraterrestre. Paralelamente, ocorre outro tipo de busca. O longa-metragem também debate a procura, por um grupo de mulheres, de corpos de parentes desaparecidos durante o período da severa ditadura do general Augusto Pinochet. Também é neste cenário que arqueólogos pesquisam os vestígios das civilizações pré-colombianas, como pinturas rupestres e fósseis.

Nostalgia da Luz utiliza-se de composições poéticas, explorando, de maneira singular, metáforas e comparações. O documentário explora constantemente o paradoxo existente entre o moderno e o passado. Isso é evidenciado pela própria composição do ambiente cinematográfico, marcado pelo Deserto do Atacama que carrega o passado das antigas civilizações e elementos modernos inseridos nesse cenário, isto é, os centros de observações astronômicas. Percebe-se, nitidamente, o emprego de planos estáticos e meditativos que realçam a beleza de objetos prosaicos. Além disso, o filme lida com a obsessão humana pelo passado e discute a contradição que há no fato de ignorarmos, comumente, nossa História recente.

Valendo-se de composições de imagens que prendem a atenção do espectador, Nostalgia da Luz surpreende através de planos inspiradíssimos, marcados pela representação ímpar do espaço sideral, bem como de fotografias justapostas dos desaparecidos políticos. É importante lembrar que, assim como o conteúdo do filme, as imagens também se comunicam através das metáforas e das comparações. Ao trazer a superfícies da Lua em uma das tomadas, Guzmán sugere a representação de um crânio humano.

O filme é espetacular e fundamental para a reflexão de todas as sociedades humanas. Os constantes questionamentos, aos quais o ser humano está submetido, são evidenciados ao longo do documentário. Ademais, o filme oferece uma fantástica visão filosófica sobre a existência e a condição humana, a qual é, durante todo o longa-metragem, comparada com a infinitude, as dúvidas e o mistério do cosmos.

A produção cinematográfica chilena faz uso de uma sensibilidade única, que permeia tanto a narração pausada e cuidadosa como a própria composição fotográfica e sonora do longa. Nostalgia da Luz abre portas para a discussão, para a reflexão e, sobretudo, para problematizar o verdadeiro sentido da nossa existência e preocupações como seres humanos.

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