30 de setembro de 2016

MATA-ME POR FAVOR

Adolescência é um momento de descobertas, onde o jovem se transforma, experimenta e descobre o lado bom e ruim quando se perde a inocência. Ao mesmo tempo em que experimenta mudanças no seu universo particular, o universo em sua volta vive mudando constantemente, fazendo com que se sinta inseguro com relação ao que virá depois. Mata-me Por Favor é mais do que um filme de suspense, mas um retrato da juventude contemporânea, que cada vez mais se encontra encarando cedo o lado cru que o mundo real irá lhe oferecer.
O cenário é a Barra da Tijuca, onde acompanhamos o dia a dia de um grupo de adolescentes numa escola. Durante a trama observamos o lado simples desses jovens, desde namorar, paquerar, usar o que está na moda e curtir as festas. Porém, começam a surgir jovens mortas próximo ao local e fazendo que desperte o medo e a paranoia entre esses jovens.
Diferente do habitual dentro do gênero, a trama não se prende ao tentar descobrir quem é o assassino, mas sim nas consequências que ele provoca nas outras pessoas. A trama então se concentra mais na jovem Bia (Valentina Herszage), que sente mais afetada pelos eventos que andam acontecendo, principalmente pelo fato das vitimas serem um pouco parecidas com ela. Isso faz com que a gente assista uma perspectiva da situação através do olhar dela, com o direito de testemunharmos os seus sonhos, pesadelos e imaginação um tanto que peculiar.
É através de Bia, aliás, que vemos a transformação do jovem contemporâneo de hoje que, para o bem ou para o mal, amadurece mais rápido do que se imagina. Sem ter pais presentes para orientá-la, Bia vive sozinha com o seu irmão João, sendo que esse último tem que enfrentar o fato de namorar uma garota virtual, da qual nem sequer conheceu ainda pessoalmente. Ambos vivem numa espécie de encruzilhada de descobertas, mas da qual não saem do lugar, mas passam por essas mudanças num lugar limitado como na Tijuca e gerando até mesmo uma sensação de claustrofobia em suas vidas sem que eles percebessem.
Dirigido e roteirizado por Anita Rocha da Silveira, a cineasta tem a proeza de transformar a Barra da Tijuca num ambiente não muito acolhedor, como se não houvesse um porto seguro para o qual o jovem deite sua cabeça para sentir um pouco de segurança. Ao mesmo tempo, o lugar vive de mudanças, aonde prédios cada vez mais altos vão surgindo no horizonte e o que era verde se torna concreto e sem vida. Isso faz com se crie no decorrer do filme um cenário em que os jovens andam como sonâmbulos, dando a entender que não há como eles interromperem, não só as mudanças físicas e psicológicas na qual eles passam como também do cenário em volta deles e cada vez mais sem vida aparente.
O papel do progresso desenfreado que surge na trama, aliás, dá entender que ele está ali para apagar o passado e até mesmo os eventos do presente. Portanto, não é a toa que a cineasta tem até mesmo a proeza de inserir o terrível caso de assassinato da atriz Daniella Perez, ocorrido 1992 e que ocorreu justamente nesse local. Essa inserção desse caso dentro da trama dá a entender que, por mais mórbido que as histórias sejam, elas não podem ser esquecidas, pois elas estão lá no passado para que elas não se repitam no presente, mesmo que isso pareça impossível.
Com um final em aberto sobre os eventos vistos na trama, Mata-me por favor é um filme para o jovem de hoje ver e fazendo ele entender que não está sozinho para enfrentar os horrores e da insegurança do mundo atual tem a oferecer. 
 

27 de setembro de 2016

O HOMEM NAS TREVAS

Se o cinema de aventura e fantasia se sustenta cada vez mais com superproduções baseadas em HQ do momento, o cinema de horror e suspense atual ganha frutos graças a obras baratas, porém, recompensadoras. Esse ano não foi diferente, mas ao mesmo tempo, filmes como Invocação do Mal 2 e Quando as Luzes se Apagam, pecaram ao nos apresentar tramas que acabam caindo um tanto que na previsibilidade. Não é o caso de O Homem nas Trevas que, embora tenha alguns clichês, ganha a nossa atenção por criar momentos imprevisíveis e angustiantes.
A trama é simples, porém, nos atrai. Um trio de jovens assaltantes decide invadir e roubar casas de uma Detroit cada vez mais abandonada após a crise mundial. Após inúmeros roubos, decidem roubar uma grande quantia de dinheiro de um ex-soldado cego, para assim finalmente mudarem as suas vidas. O que eles não sabem é que não deveriam ter subestimado justamente o habitante cego da casa.
Assim como na ótima refilmagem A Morte do Demônio, o filme é produzido pelo cineasta Sam Raimi, mas é dirigido pelo seu discípulo, o uruguaio Fede Alvarez, que havia impressionado Raimi com o seu curta Ataque de Pânico e fez com que ganhasse um convite para trabalhar em território americano. Embora tenha apenas dirigido até agora dois longas metragens, Álvares nos impressiona, pois o que vemos na tela é uma verdadeira aula de como se faz um bom suspense, usando uma fotografia sombria e fazendo da câmera uma ferramenta narrativa mais do que essencial.
Uma vez que o trio de assaltantes entra na casa, a câmera de Alvarez perambula o local em planos sequências mirabulantes, nos mostrando até mesmo peças chaves e fazendo com que o cinéfilo  já se prepare pelo pior que irá acontecer na tela. Uma vez que o dono da casa tem conhecimento de que seu lar está sendo invadido, começa então uma verdadeira caçada de gato ao rato, onde tudo pode acontecer na escuridão. Nesse jogo de suspense e tensão, cabe o cinéfilo decidir de que lado ele fica, pois não há heróis ou vilões na trama, mas sim pessoas comuns, cuja suas falhas humanas os levam para um caminho sem volta.
Se no princípio poderíamos até tachar mal o trio central, o roteiro gradualmente nos mostra que, no fundo, alguns deles procuram a sua redenção pessoal. Rocky (Jane Levy) procura uma forma de fugir de uma vida desregrada e tentar dar uma vida melhor para a sua irmã menor. Vista em A Morte do Demônio, Jane Leyy demonstra versatilidade e fibra, ao encarar um filme do qual exige muito esforço físico, mas que ao mesmo tempo saiba transmitir momentos de puro desespero.
Contudo, a alma do filme se encontra na presença sinistra do homem cego, interpretado com intensidade pelo ator Stephen Lang (Avatar), Mesmo usando lentes brancas que o fazem não enxergar nada em cena, Lang nos convence do começo ao fim que é um ex-veterano de guerra e passando para nós em cena um auto grau de verossimilhança. Embora o seu personagem possua motivações e segredos da casa que se revelam um verdadeiro clichê dentro do gênero, tudo é compensado quando as ações do personagem se elevam num grau cada vez mais sinistro, mesmo quando o roteiro nos faça entender o motivo dele ter chegado a tal ponto.
Com uma cena inicial que já nos prende e se enlaça nos momentos derradeiros da trama, O Homem nas Trevas é um frescor dentro do gênero de horror deste ano, principalmente para aqueles que buscavam mais desafio e menos fórmulas desgastadas. 

21 de setembro de 2016

O ROUBO DA TAÇA



Muitas vezes surgem casos em que a situação é tão absurda que supera qualquer filme de ficção. O roubo da taça Jules Rimet é um desses casos de situações que beiram ao absurdo, ao ponto de se tornar tragicômico. Não é de se surpreender que, mais cedo ou mais tarde, haveria uma adaptação que levasse para as telas aquela história cabeluda e O Roubo da Taça veio para nos brindar com uma comédia caprichada e nostálgica.
Estamos em 1983, onde o Brasil ainda sofre nas mãos de um governo golpista, mas que começa a dar sinais de despedida. Nesse cenário de cores quentes, mas sem muita esperança com relação ao futuro, o brasileiro aposta as suas fichas de felicidade no futebol, mas não se dando conta que a própria CBF, nada mais era do que uma representação do próprio governo falido do país. Isso acabou gerando o desaparecimento da Taça Jules Rimet dentro da própria sede, sendo que poderia ter sido evitado, se não fosse um erro grotesco e fora do normal vindo das mãos do Presidente da época (Stepan Nercessian).
Vindo de documentários, Caio Ortiz cria uma ácida comédia de humor, por vezes pastelão, onde vemos a figura do malandro carioca, representada pelo personagem Peralta (Paulo Tiefenthaler) tentar a sua última jogada desesperada para pagar suas dividas de vida ou morte. Roubar a replica da taça seria até uma boa idéia. Porém, ela se torna má, no momento que o protagonista descobre que roubou justamente a taça verdadeira, mas graças a um erro criado pelo próprio Presidente da CBF.
O roteiro não poupa os personagens centrais ao se meterem em situações absurdas graças à batata quente que tem em mãos. Segundo o próprio cineasta, as situações que mais beiram ao surreal na trama, são momentos que realmente aconteceram na vida real. Por mais que isso possa ser questionado, os personagens e suas motivações vistos na tela são de um grau de verossimilhança que nos convence e o absurdo acaba se tornando convincente.
Claro que o roteiro somente funcionária graças a um ótimo elenco e é exatamente isso que a produção tem. Paulo Tiefenthaler faz do seu Peralta uma espécie de malandro do RJ marcado pela decadência, mas não deixando de lado a persistência em se dar bem, mesmo quando faz de tudo para só se dar mal. Mas é Tais Araujo, que ao fazer Dolores, esposa de Peralta, que dá um verdadeiro show de humor, sensualidade e nos surpreendendo até mesmo nos minutos finais da trama.
Tecnicamente o filme é um colírio para os olhos, pois Ortiz caprichou na reconstituição da época. A RJ de 1983 é vista aqui com cores quentes, exalando um frescor de uma época já distante, mas que nos cria uma deliciosa sensação de nostalgia. Moda, costumes e política se cruzam nessa reconstituição de época e sintetizando muito bem o principio do fim daquele período de tempos de chumbo.
O Roubo da Taça é uma deliciosa comédia brasileira que, diferente de outras descartáveis, nos faz rir da situação absurda, mas bem convidativa.
 

8 de setembro de 2016

AQUARIUS



Filmes estrangeiros como Leviathan, Demon e tantos outros, exploram cada vez mais um tema que anda surgindo de vez em quando em nossos cinemas que é, simplificando, a destruição do velho e dando ao lugar ao novo. Contudo, parece que quanto mais a tecnologia dá inúmeras possibilidades, há ao mesmo tempo o surgimento cada vez mais forte de uma nostalgia de um tempo que não volta, mas que se torna cada vez mais dourado em nossa memória. Aquarius não é somente o levantamento de uma bandeira em defesa do passado, mas também uma lição em manter e não esquecer o que já foi um dia tão precioso.
Dirigido pelo cineasta Kleber Mendonça Filho (Som ao Redor) acompanhamos o dia a dia da escritora e aposentada Clara (Sonia Braga, espetacular) que vive sozinha num apartamento á beira-mar do qual se chama Aquarius. Tanto o seu apartamento, como também o que há de melhor dentro dele, fazem parte como um todo em sua vida. Porém, Uma imobiliária, representado pela presença do ambicioso Diego Bonfim (Humberto Carrão), deseja por abaixo o apartamento da protagonista e construir ali um grande prédio. É início de um confronto, do qual humildade dá de encontro com o pior que existe dentro de um universo ambicioso e sem escrúpulos.
O filme já começa num passado distante, mas que já nos identificamos de imediato. Estamos nos anos 80, do qual nem precisava dos números colocados na tela, pois já basta vermos as roupas e músicas que a protagonista escuta para então nos localizarmos. Já nesses primeiros minutos, descobrimos que Clara enfrentou uma difícil fase da sua vida, mas também fazendo a gente se dar conta que ela pertence a uma família do qual as mulheres demonstraram força ao longo das décadas. Corta para o presente e vemos Clara, uma mulher independente, forte, humilde e que mantém as suas raízes intactas.
Já nos primeiros minutos do presente nos deparamos com dois protagonistas, que são Sonia Braga e a câmera do cineasta.  Bem ao estilo Hitchcock, Mendonça Filho faz de sua câmera uma espécie de segundo personagem, do qual não escapa o que acontece na tela e dando destaque aos menores detalhes, mesmo quando eles estão bem ao fundo: a cena que mostra um imenso pano que cobre um prédio ao lado de Aquarius, para logo depois vermos ao fundo de uma cena o que acontece com ele, é um exemplo de um perfeccionismo inusitado do cineasta.
Perfeccionismo, aliás, é a palavra de ordem aqui, pois percebemos que em cada cena que surge na tela, ela foi pensada para dar continuidade ao que já aconteceu anteriormente. Se uma música (muitas, aliás) clássica é tocada, ou uma foto surge nas mãos da protagonista, é para então criar uma espécie de simetria e fazendo com que sempre nos lembrássemos de uma situação anterior vista na história. Nada gratuito, mas tudo bem pensando e fazendo com que todos esses elementos se casassem com perfeição do começo até o seu final.
Claro que isso nada funcionária se não houvesse Sonia Braga em cena, pois ela fez de sua personagem Clara uma de suas melhores personagens de sua carreira. Mulher forte, independente, mas camarada com o seu próximo, Clara é uma personagem que vive ao máximo a cada segundo, como se o tempo para ela parasse e desfrutasse dele como se não houvesse amanhã. Ela se torna então uma espécie de contraste se comparado aos outros personagens em cena, sendo alguns afogados com a corrida desenfreada do dia a dia.
Esse contraste é muito bem representado quando ela discute com a sua filha Ana Paula (Maeve Jinkings), sendo essa última uma pessoa sem noção com relação ao que realmente acontece ao mundo em sua volta, mas que no fundo, tenta entender a realidade de sua mãe, que vive em manter as raízes que criou junto com os seus filhos. Raízes essas que dão de encontro, não somente com o avanço do progresso acelerado, como também perante a ambição e hipocrisia da sociedade atual. Isso faz com que se abra um estudo dentro da trama, sobre a sociedade brasileira de hoje, cada vez mais dividida entre classes e gerando então preconceitos e intolerâncias sem sentido.
Nisso tudo temos Clara, que jamais desistiu perante os obstáculos, mesmo quando um dos seus piores pesadelos que ela enfrentou no início da trama, não fez com que ela desistisse, mas sim seguisse em frente. Num dos momentos chaves do filme, o passado lhe assombra novamente, mas para somente alertá-la, sobre a presença de algo terrível e parecido com que ela já havia enfrentado um dia. É aqui então que Kleber Mendonça Filho fecha soberbamente o seu circulo de elementos e peças chaves vistas na trama e faz com que levantemos inúmeras questões e debates acalorados, não somente sobre a trama principal dentro do filme, como também sobre o nosso Brasil atual como um todo. 
Com a participação de um elenco escolhido a dedo, incluindo a sempre cativante presença de Irandhir Santos (Tatuagem), Aquarius é puramente cinema, mas que daqui alguns anos será lembrado como o melhor filme que soube sintetizar o que foi a segunda década do século 21 em nosso Brasil e isso não é pouco.

2 de setembro de 2016

DICA DE CINEMA

STAR TREK – SEM FRONTEIRAS
01 DE SETEMBRO NOS CINEMAS
Classificação: Não recomendado para menores de 12 anos.

SOBRE O FILME:
Direção: Justin Lin
Produção: J.J. Abrams, Bryan Burk, Roberto Orci
Elenco: Zoe Saldana, Chris Pine, Zachary Quinto, Karl Urban, Simon Pegg, Anton Yelchin, John Cho
Sinopse: Após sofrerem com a ira de John Harrison (Benedict Cumberbatch), Kirk (Chris Pine), Spock (Zachary Quinto), Uhura (Zoe Saldana), McCoy (Karl Urban), Sulu (John Cho), Chekov (Anton Yelchin) e Scotty (Simon Pegg) retornam à Enterprise para uma nova e difícil aventura intergaláctica.


CAFÉ SOCIETY



Não há pretensão no universo dos filmes recentes de Woody Allen, mas nem por isso deixa de serem incomuns as suas obras das quais ele lança. Café Society mostra um Allen agiu no que irá mostrar, mas ao mesmo tempo disposto a trabalhar com novidades, pois esse filme é o seu primeiro em formato digital. Isso faz com que se destaque a  bela fotografia de Vittorio Storaro, já vencedor pela categoria em filmes como Apocalypse Now e O Último Imperador.
Para quem conhece de cor a filmografia do cineasta, Café Society mostra todas as características e marcas registradas que já foram vistas em seus filmes, mas sempre nos lançando com um novo frescor para os nossos olhos. Pode parecer algo repetitivo em alguns momentos, mas cabe ressaltar que conseguimos enxergar em suas obras recentes uma forma do cineasta escancarar os seus próprios aprendizados que teve ao longo dessas décadas de trabalho no cinema. Esse seu último filme me parece um cruzamento entre o passado e seu presente atual e não se intimidando em colocar na tela os seus erros e acertos e dando vida a eles através dos seus personagens que criou.
A trama se destaca ao apresentar todo o glamour do universo das celebridades dos anos 30, onde a edição de arte e figurino molda aquele período visto na tela como um todo. Contudo, o casal central vivido Jesse Eisenberg e Kristen Stewart deixa um pouco a desejar em alguns momentos, pois a química vista entre eles realmente não empolga em momentos dos quais deveria empolgar. Se Jesse Eisenberg se sai bem como uma espécie de jovem Allen, Kristen Stewart novamente apresenta uma atuação econômica e que ainda não me fez convencer que há uma versatilidade dentro dela.
Felizmente a ala de coadjuvantes salva o filme, principalmente quando Eisenberg contracena com eles. Steve Carell se sai muito bem em cena, principalmente pelo fato do seu personagem transitar entre a comédia e o drama, sendo que esse último o astro provou ter talento de sobra. Ao interpretar um produtor de cinema, Carell poderia cair na vala comum ao criar um personagem detestável. Contudo, sentimos simpatia por ele e nos convence que os seus sentimentos vistos em cena, embora confusos às vezes, soam verdadeiros.
Mas, como eu havia salientado acima, o destaque vai mesmo para a bela fotografia de Vittorio Storaro, do qual torcemos que seja lembrado na próxima premiação do Oscar. Por ser um retrato dos anos 30, estamos diante de um período que sempre foi romanceado pelos livros de história ao destacar o cinema americano. Com tons pastel e luzes douradas, as imagens transmitem uma fábrica de sonhos da cidade do cinema, mas não escondendo também um lado obscuro das engrenagens daquela fabrica de contar histórias.
Ao som de Jazz, enxergamos um Woody Allen do começo ao fim, mas maduro e aberto as novas possibilidades que o cinema de hoje tem a oferecer. Porém, jamais deixando de lado a sua essência e seu amor por filmar. Mesmo quando não é genial, Allen tem a proeza de nos fazer rir e nos emocionar com o seu mundo neurótico, das possibilidades do que é se apaixonar e viver a vida em uma sociedade tão glamorosa e passageira quanto um bom cappuccino.

ÁGUAS RASAS



O clássico Tubarão de 1975, mexeu tanto com os alicerces do cinema americano naquele tempo, que não demorou muito para que houvesse continuações e imitações uma pior do que a outra ao longo dos anos. Nos anos 90 e 2000 não foi muito diferente e tivemos inúmeras outras pérolas bem beirando ao trash, como no caso do inacreditável Tornado de Tubarões. Quando parecia que o subgênero cairia no esquecimento ou no ridículo total, eis que surge Águas Rasas, um pequeno, mas eficiente filme de suspense. 
Dirigido pelo espanhol Jaume Collet-Serra (A Órfã) acompanhamos a viagem de Nancy (Blake Lively) para uma praia paradisíaca onde sua mãe já falecida esteve lá um dia. Ao chegar ao local, ela começa a curtir as ondas perigosas que o mar lhe trás. Porém, um tubarão branco começa a transformar o dia da garota num verdadeiro inferno e faz com que ela fique ilhada numa pedra e distante da beira da praia.
É basicamente isso o filme, onde tudo se concentra na presença de sua protagonista e as suas motivações que a levam aquele lugar para tirar umas férias e que acaba dando tudo errado. Talvez alguns até se incomodem do pequeno drama inserido na trama, por exemplo, de ela ter perdido a mãe na luta contra o câncer e que pode soar um tanto que artificial demais em alguns momentos. Porém, isso serve para humanizar e simpatizarmos com a personagem, pois só colocá-la na água e encarar a fera, talvez isso não fosse o suficiente para torcemos por ela em sobreviver até o final.
O genial do filme está na construção do cenário de terror que irá dominar aquele paraíso. Gradualmente a personagem se dá conta que não está sozinha num momento de calmaria e é ai que ela precisa agir para sobreviver. Com a perna mordida, e poucos recursos de sobrevivência, Nancy usa os conhecimentos que possui para agir contra o tempo, pois por alguma razão (magia de cinema?) o tubarão jamais sai de perto onde ela se encontra. Tem se então um verdadeiro cruzamento entre 127 horas com Tubarão e dessa mistura se cria um verdadeiro duelo de ser humano contra a natureza implacável.
O cineasta foi também habilidoso nas montagens de cena, onde em um único momento presenciamos três quadros em um, para assim então termos uma total plenitude do ponto dos acontecimentos. O ápice desses momentos é quando a protagonista calcula com o seu relógio  a aproximação e afastamento do tubarão enquanto ela encontra uma maneira de obter recursos para sobreviver, desde em pegar um pedaço de prancha, como também uma câmera digital boiando na água. São momentos como esse em que a montagem e ângulos fora do padrão que fazem do filme tão envolvente.
O filme somente peca um pouco em seu ato final, onde a protagonista fará de tudo para sobreviver, nem que para isso quebre certas leis da realidade do lado de cá. Claro que estamos falando de um filme de suspense com umas pitadas de ação, mas ao mesmo tempo sempre exigimos certo grau de verossimilhança nas cenas apresentadas de determinados filmes. Os minutos finais só não são ruins, pois existem coisas piores no mundo cinematográfico, como os finais medonhos das continuações de Tubarão que ganham de disparado em termos de ruindade. 
Apesar dos pesares, Águas rasas é eficiente em entreter e fazer com que pulemos das cadeiras em momentos chaves. Um exemplo de pequeno filme, mas que tem muito a oferecer em pouco mais de uma hora de sessão.  

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