Cortinas semiabertas, lâmpadas amarelas e carpetes muito limpos criam a cena: uma família de classe média, em algum lugar da Grécia, dissimula um cotidiano de muita violência em tons pastéis e álbuns sorridentes. Miss Violence, o último filme grego a ganhar destaque nos festivais internacionais, é pesado e discreto.
Dirigido por Alexandros Avaranas, Miss Violence é carregado de dor e sofrimentos internos. O mal-estar é construído de maneira progressiva pelo roteiro bem desenhado e argumentos bem articulados, apresentados em uma ordem cronológica surpreendente. Impactante seria uma boa descrição.
O cinéfilo assume um papel de coadjuvante nesta produção, pois sente o clima pesado o tempo todo. A perturbação aflora ao longo do filme e o mistério dá lugar ao asco. A impotência e a falta de esperança de uma sociedade são expostas por uma família fora do convencional. Aparentemente uma família grega comum, com aspectos tradicionais, é comandada pelo patriarca. A filha e suas netas apresentam, ao longo da película, aspectos conflitantes. Nestes pontos, o mal estar vai sendo construído através da figura autoritária e machista do chefe da família.
Conforme a trama de Miss Violence segue adiante, o drama atinge níveis irreversíveis. O filme caminha crescente até chegar ao pico. O extasiante é que este extremo é mantido por muito tempo. Até o final da história, a impotência, o desespero e outros sentimentos explodem em lindos planos com bela fotografia.
O primeiro mérito do filme que deve ser destacado está em sua abertura, que já inicia a narrativa com uma cena de puro impacto. O ponto de reviravolta é sonorizado pela voz de Leonard Cohen em Dance me to the end of love, que prenuncia o suicídio da menina Angeliki, acontecimento que começa a denunciar o pacto de silêncio que a família guarda há décadas. A construção quase geométrica da cena segue no filme inteiro. Os enquadramentos são muito bem calculados, com muitos planos abertos que mostram a impecabilidade ordeira da direção de arte.
O conjunto de planos com trilhas adequadas passam contrastes e diversos significados para cada ato da tragédia familiar. A impotência exposta gera ações e reações que surpreendem até o fim do longa. Já a impressão do espectador é clara. O incomodo presente chega a impedir elogios no fim das sessões. Justamente por isso, a película atinge seu objetivo e impressiona, causando mal estar latente.
O longa funciona como uma denúncia, sendo mais uma forma de escancarar esta violência silenciosa do que uma busca investigativa por motivo, culpado, e cena do crime. Mesmo trazendo cenas explícitas perto do final, ele consegue ser ainda mais brutal com portas se fechando, rezas na mesa do jantar e com uma câmera parada no corredor de um apartamento. Treinar bem os atores é um dos méritos que garantiu a Avranas o prêmio de melhor cineasta. No lugar de criar um drama cheio de choros, gritos e gestos pantomímicos, os atores buscam a eliminação de qualquer fala em tom desregular, gestos efusivos e expressões fortes. A postura da família, que funciona de maneira quase mecânica e muito bem pensada, causa sempre estranhamento e é sempre evidenciada com a espontaneidade de personagens que não fazem parte do núcleo central.
Miss Violence é pesado, mas não procura escandalizar. A aparente normalidade que o filme vende não deixa a história ser lida como absurda, no sentido de excepcional. Apesar de toda a violência, tem o cuidado de não criar um distanciamento entre o público e os personagens, permitindo que criemos empatia e instigando a discussão para fora do cinema. O que ele tem de absurdo consegue ser transposto e pensado para realidades mais comuns, mas não menos violentas.
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