Pegamos um exemplo básico: se eu simplesmente escrever a minha crítica sobre esse filme, no máximo ela alcançará umas cem visualizações hoje na minha página. Porém, se eu terminar ela e andar nu na avenida Ipiranga de Porto Alegre e segurando um cartaz com os dizeres “leiam a minha critica seus filhos da p..” com certeza eu terei no mínimo umas noventa mil visualizações hoje.
Começo a minha crítica dessa forma pensando sobre o homem atual, com seu talento para dar e vender, tentando escrever os melhores textos ou interpretando os melhores personagens no palco. Contudo, se surge um garoto que sofre um pequeno acidente com o skate e grita um palavrão devido a isso, ele será muito mais famoso hoje postando esse momento no youtube do que um profissional da área da cultura que deu o sangue ao longo dos anos para nos passar algo no mínimo criativo. Vivemos numa época em que o absurdo, voyeurismo, redes sociais e filmes com roteiros mastigados, para serem vistos pela massa cinéfila, dominam o mercado de entretenimento em proporções irreversíveis e Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é o melhor filme do momento que sintetiza esse mundo contemporâneo que vive num verdadeiro cataclismo.
Tendo surpreendido em filmes como 21 Gramas e Babel, Alejandro González Iñárritu não mede esforços para apontar o dedo em todo o lugar que mereça uma uma critica ácida. Em seu filme, Thomson (Michael Keaton) já foi um grande astro do cinema no passado, ao interpretar um famoso super herói de HQ, mas no momento que desiste da cine série, vê sua carreira ir para o espaço. Tentando uma volta por cima na carreira, o protagonista dirige, roteiriza e atua numa peça teatral na Broadway, mas o mundo do entretenimento de hoje, mais uma estranha voz que manda fazer algo que ele não quer, faz com que, a qualquer momento, seus planos deem tudo errado.
O refrão “arte imita a vida” se encaixa perfeitamente nessa obra, mais precisamente caindo no colo de Michael Keaton: após ter atuado em dois filmes do Batman na virada dos anos oitenta para os noventa, o ator se viu na participação de filmes que caíram no esquecimento e sendo somente lembrado como o ex-ator do homem morcego. Talvez o que vemos em Birdman é mais do que uma interpretação, mas sim as frustrações que são postas para fora de um grande ator que, se viu mastigado pela indústria, mas que busca uma redenção para a sua carreira e para sua própria vida pessoal.
Sendo assim, a trama já no início nos bombardeia com piadas de humor negro e criticas contra a própria Hollywood que, na visão pessoal do cineasta, vive hoje de franquias de super heróis e que prendem inúmeros talentos a elas que, por bem ou por mal, tentam conseguir um reconhecimento pelos olhos da massa. Thomson se tornou um indivíduo que se recusa a se vender a esse sistema novamente, mas o mundo de histórias fáceis e redes sociais, com as suas notícias e vídeos instantâneos, lhe fazem ficar num beco sem saída que poderá arruiná-lo, mas que poderia sair beneficiado. Não se vender ao sistema, mas não lutar contra ele seria uma derrota que poderia sair daí uma vitória? É uma realidade estranha, mas real, no qual vivemos nela e que o cineasta joga bem na nossa cara!
Esse duelo interior e exterior que o protagonista enfrenta nos proporciona momentos de puro delírio visual, que por vezes nos confunde, mas que rapidamente nos faz entender o que esta acontecendo na nossa frente. Tem-se então, não somente uma critica verbal contra o sistema, como também visualmente, onde delírios e realidade do protagonista caminham de mãos dadas até chegar ao seu verdadeiro ápice. Atenção para a cena onde Thomson caminha pela rua, discutindo com o seu eu interior (mais precisamente Birdman) e nos proporcionando um dos momentos mais belos e imprevisíveis do cinema desse ano.
Antes mesmo desse momento sublime, Alejandro González dá uma verdadeira aula de plano-sequência que, se por um lado ele não inova, por outro ele faz disso algo bem criativo. A todo o momento a sua câmera está em busca de algo, como se houvesse um desejo de bisbilhotar o que acontece nos bastidores da peça a cada momento e destrinchando o lado frustrado e alienado dos astros e dos que trabalham nesse ramo. Embora perceptível o pulo do tempo em algumas cenas, o cineasta com certeza buscou inspiração de outros diretores que se arriscaram a fazer tamanho feito com os planos-sequências, como Alfred Hitchcock com o seu Festim Diabólico.
Com a câmera que vai à busca do que acontece por detrás das cortinas de uma peça, acabamos conhecendo personagens coadjuvantes tão frustrados, que pensam somente em si, quanto o próprio protagonista: o ator que surta a cada momento (Edward Norton), a atriz que busca a realização de um sonho de se estabilizar profissionalmente na Broadway (Naomi Watts), o agente do protagonista que busca sempre uma forma melhor de sair lucrando (Zach Galifianakis) e a filha deslocada (Ema Stone) do protagonista que, busca uma reconciliação com o pai, mas ao mesmo tempo terá que matar os seus próprios demônios interiores.
Personagens reais que, embora com talentos nas veias, são frustrados com a vida, mas que buscam um lugar nesse mundo concorrido, em que surgem a todo o momento celebridades instantâneas, mas que logo são esquecidas e substituídas por celebridades piores ainda. Uma trama que nos faz pensar e nos perguntar qual é o nosso papel nesse mundo louco, independente de qual profissão você exerça, pois no fundo você deseja um lugar ao sol para voar e sem se preocupar. Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é isso e muito mais do que se possa imaginar.
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