As pessoas não nascem boas ou ruins, elas simplesmente irão se transformar em determinados tipos de pessoas de acordo com a maneira como administrarem os obstáculos que irão enfrentar no decorrer da vida. Peguemos, por exemplo, jovens que matam seus colegas de escolas por simplesmente não terem conseguido administrar o fato de serem humilhados anteriormente por serem diferentes. Ainda que indo por um caminho diferente, O Lobo Atrás da Porta nos apresenta uma trama que, se não soubermos enfrentar o mau de frente, correrá sério risco de se tornar algo pior do que ele.
Embora seja o primeiro longa metragem do cineasta Fernando Coimbra, é de se surpreender pelo fato de ele rodar uma trama que oscila entre o drama, a comédia e o mais puro suspense psicológico, o qual nos atinge de uma forma arrasadora e faz tanto nos identificarmos com os personagens, como também desejarmos não querer estar na pele deles. Essa mistura de gêneros começa já no principio, no momento que uma criança é sequestrada, mas logo nos avisam que não é nada sério, trata-se apenas da brincadeira de Rosa (Leandra Leal), uma amante ciumenta que tenta chamar a atenção do homem que ama, Bernardo (Milhem Cortaz). As cenas conjugais entre Bernardo e sua esposa (Fabiula Nascimento) beiram o drama, já os momentos de interrogatório, com um delegado desbocado (Juliano Cazarré), entram no território da comédia.
Porém, mais do que uma mistura de gêneros, O Lobo atrás da porta vai inserindo inúmeras possibilidades sobre o que realmente está acontecendo na tela. No principio ouvimos os primeiros depoimentos da esposa, marido e amante, dividindo espaço com flashbacks que revelam o que eles dizem. Contudo, algumas dessas sequências, parecem não se casarem com as palavras deles, provando então ser uma mentira encobrindo os verdadeiros fatos e exigindo maior atenção do cinéfilo.
Conforme a história avança, o filme vai criando o seu terreno particular em termos de originalidade, mesmo quando o cinéfilo mais atento irá perceber que há referência a clássicos como Rashomon de Akira Kurosawa. O grande mérito está na forma como os protagonistas vão mudando conforme o filme avança principalmente no caso da personagem Rosa, interpretada magistralmente por Leandra Leal, no que talvez seja o melhor desempenho de uma atriz que eu vi esse ano no cinema. Apresentada de uma forma inocente e vitima das circunstâncias, a própria personagem pede para nós embarcarmos na sua trágica história que, para o bem ou para o mau, compreendemos as suas ações, mesmo quando desejamos jamais chegar ao ponto de sua queda, pois do lugar onde ela cai, não há retorno para ninguém.
Esse talvez seja o maior trunfo do filme, em fazer nos identificarmos com os personagens e fazer com que fiquemos com medo de nós mesmos com os nossos atos, pois, no final das contas, eles geram consequências que, por vezes, são irreversíveis. Com isso, em nenhum momento a câmera deixa em paz cada um dos protagonistas, mesmo quando somente um está sendo focado. Coimbra, habilidoso como ninguém, sempre quando pode deixa um espelho em cena, para mostrar um determinado personagem quando não esta sendo visto, mas curiosamente ele usa esse artifício para, quem sabe, mostrar uma nova camada sendo descascada da personalidade do personagem.
Infelizmente, uma vez à mostra a nova camada dessa personalidade, nos sentimos impotentes perante essas mudanças. A pele de cordeiro é retirada, para então revelar o lobo atrás da porta, mas como eu disse, atos e consequências. Pois uma vez o lobo devorando o outro cordeiro em cena (mas sem matá-lo), acaba então cometendo o seu maior erro, transformando então a presa num verdadeiro monstro que estava adormecido.
Uma vez acontecendo isso, ficamos amarrados e somente caminhando lado a lado de uma pessoa que, antes não dávamos nada, para então percebemos que ela virou um lobo e o seu chapeuzinho vermelho é a peça principal para a sua vingança. Vingança essa que somente irá trazer dor e sofrimento para ambos os lados, que poderia ser evitado, mas não são todos desse mundo que conseguem se reerguer de uma queda e conseguir superá-la. Uma vez anjo, a pessoa se torna um demônio, não porque queria, mas a sua dor e derrota interior é por vezes mais aniquiladora.
O Lobo atrás da porta é, com certeza, um dos filmes brasileiros mais corajosos dos últimos anos, com um final digno que nos dá um verdadeiro soco no estômago e que nos fazer desejar futuramente sempre querer repensar sobre nossas escolhas, pois as consequências podem se tornar irreversíveis e machucar a pessoa mais próxima.
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