Quando caminho pela rua, percebo as pessoas conversando com seus celulares sem ao menos tocar neles e, com isso, tenho a estranha sensação de estarem falando sozinhos. Quando vejo duas amigas se encontrarem, elas ficam colocando a conversa em dia, mas não deixam de clicarem em seus smartfones para falar com seus amigos, sendo que, alguns deles, nem os conhece pessoalmente. Por vezes, eu vejo um relacionamento nascer através das redes sociais, onde o casal se relaciona muito bem dessa maneira por anos, mas quando se encontram pessoalmente se perde o brilho.
Tudo isso eu enxergo atualmente, onde os meios de comunicação estão cada vez mais fáceis graças ao avanço da tecnologia, mas ao mesmo tempo, me parece que as pessoas estão cada vez mais preguiçosas em querer se relacionar da forma como era antigamente. Ou então, me parece que está cada vez mais difícil compreender a pessoa que ama e a tecnologia, para se conversar à distância, se torna ainda mais sedutora e sem dar dores de cabeça. Mas daí eu paro e penso assim: o que aconteceria se a própria tecnologia criasse uma forma de a pessoa voltar a se sentir como um ser humano (de antigamente) com relação aos sentimentos vindos do coração?
É mais ou menos isso que acontece com Theodore (Joaquin Phoenix, ótimo), cuja sua profissão é passar sentimento nas cartas que as pessoas escrevem para outras pelo computador. Contudo, ele não consegue, com ele próprio, se relacionar direito com o próximo, principalmente após ter se separado de sua esposa (Rooney Mara). Certo dia, ele compra um programa para seu PC e móvel, capaz de, não somente administrar o seu serviço, como também se relacionar com ele.
Isso somente acontece graças ao fato do programa ter um sentimento praticamente idêntico de um ser humano. O programa se chama Samantha (voz de Scarlett Johansson), que no momento que é ativada, imediatamente surge uma química entre ela e o protagonista, se tornando amigos e até mesmo namorados. A partir daí, se inicia um relacionamento como outro qualquer, de altos e baixos e, por incrível que pareça, nos convencendo que esse amor imprevisível é real.
Essa relação nos convence, porque a gente se enxerga nele, pois uma vez ou outra na vida, nós já nos relacionamos com alguém assim, pelo menos em redes sociais. A diferença está no fato de eles jamais poderem se tocar algum dia. Mas se pensarmos bem, acontece também com muitos casais que se relacionam à disância, tornando-se quase impossível o contato algum dia.
Embora nos identifiquemos com a situação, a química e autenticidade do casal funcionam perfeitamente. Joaquin Phoenix nos brinda novamente com um grande desempenho, onde ele passa as suas sensações de conflito, amor, tristeza e até mesmo ciúmes quando Samantha, por exemplo, começa a conversar com outro programa. Scarlett Johansson, por sua vez, ouso dizer que aqui ela nos apresenta o seu melhor desempenho, mesmo com o fato de somente ouvirmos a sua voz. Sempre considerei o fato de sua beleza ofuscar por demais os seus desempenhos nas telas e, aqui, dá a entender que ela se sente completamente à vontade para expor tudo o que Samanha vai aprendendo a sentir no decorrer da relação com Theodore.
Além do casal nos conquistar, Spike Jonze acerta em cheio ao criar um futuro não muito distante, mas facilmente identificável, pois a tecnologia vista na trama não é muito diferente do que nós temos atualmente. Não há carros voadores, tampouco um visual apocalíptico, mas sim um mundo reconfortante, mesmo com o fato de retratar uma sociedade que tem cada vez mais dificuldade de se relacionar. Não me surpreenderia, então, se daqui algum tempo ELA venha a ser reconhecido como um dos filmes que melhor sintetizou o que será de nossa sociedade contemporânea.
Com todos esses louros, o filme ainda nos faz sentir um verdadeiro soco no estômago no ato final da trama, pois se compramos a ideia de que aquele relacionamento é genuíno, acabamos sentindo os altos e baixos que um casório acaba enfrentando. Os minutos finais provocam conflitos internos, o desejo de que eles fiquem para sempre juntos e nem mesmo o cinéfilo com o mais duro coração deixará de escorrer uma lágrima em seu rosto. Com essa montanha russa de sentimentos e identificação pela trama, não me admira que o roteiro tenha se tornado franco favorito para o Oscar.
Com a participação ainda da sempre competente Amy Adams (O Vencedor, 2010) ELA é um filme delicado, que expressa o que somos atualmente e que nos mostra quais os meios de voltarmos a nos relacionar como antigamente, sem medo e com desejo de vivermos uma boa relação amorosa e em sua plenitude.
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