Hilton Lacerda saiu consagrado nos festivais de Gramado e do Rio de Janeiro com o seu filme Tatuagem, obra que se tornou rapidamente uma das mais elogiadas do ano, cujo criadores não se importam nenhum pouco em incomodar um público mais conservador e hipócrita. Essa é a intenção de Tatuagem: cutucar, incomodar e trazer um frescor de maior ousadia que por vezes faz falta no nosso cinema atual. Antigamente (anos 70 e 80) sexo e outros temas pesados eram bem mais vistos, e olha que estamos falando de um período em que o regime militar ditava as regras da cultura.
Esse clima mais sujo e ousado de antigamente começou a renascer a partir de obras como Amarelo Manga, Febre do Rato e Baixio das Bestas que, embora sejam dirigidos pelo genial Claudio Assis, as tramas foram roteirizadas por Hilton Lacerda, que agora estreia com estilo neste filme que deu o que falar no principal festival gaúcho de cinema. Apesar de lembrar alguns elementos vistos nos filmes citados (principalmente Febre de Rato), Lacerda optou por criar um clima mais romântico, mas não menos sensual em meio à ditadura do final dos anos 70. Tatuagem acompanha um grupo de artistas itinerantes que se apresenta de maneira ousada, sendo boa parte deles travestidos e formados por gays, cujo líder do grupo, denominado Chão de Estrelas, é Clécio (vivido por Irandhir Santos). Em meio àquele mundo estranho para os olhos da maioria, surge um jovem soldado que se torna a "menina dos olhos" de Clécio, Fininha (vivido por Jesuíta Barbosa).
Não é preciso ser gênio para saber que ambos irão se apaixonar, mas que acabaram vivendo um conflito, com o fato de que Fininha possa ser ou não um espião infiltrado no grupo de artistas. Curiosamente, Clécio tem um filho com uma mulher e ambos continuam sendo amigos, além do primogênito gostar de assistir os shows que rolam à noite. Sinceramente, não me lembro de cenas tão ousadas de sexo entre homossexuais do nosso cinema, desde Madame Satã e também lembra bastante as primeiras obras de Pedro Almodóvar como A Lei do Desejo.
Acima de tudo, o filme bate na tecla sobre questões como liberdade, direito de ir e vir e expressar a opinião dos personagens através da arte da interpretação. Talvez a passagem que melhor represente essas é no momento da cena 'Polka do Cu' que faz parte da peça deles. Chocante, engraçada e corajosa, diga-se de passagem. Fora isso, o filme é recheado de boa música que embala os momentos românticos da trama: em “Volta”, cantada por Johnny Hooker; a versão de Esse Cara, de Caetano Veloso, cantada por Irandhir; A Noite de Meu Bem, de Dolores Duran, tocada na primeira dança do casal de protagonistas, entre outras canções selecionadas e/ou compostas por DJ Dolores.
Como não poderia ser diferente, Irandhir Santos rouba o filme como um todo e coloca muito bem no seu bolso. Intérprete de imenso talento, Santos havia chamado atenção em Tropa de Elite 2, se consagrado em Febre do Rato e, mais recentemente, interpretando um misterioso vigilante no já clássico O Som ao Redor.
Apesar de ser um filme fora do convencional, Tatuagem é uma produção que merece ser visto por todos, pois, embora seja um retrato de um grupo de pessoas perante aos últimos anos da sombra da Ditadura, não há como não comparar com a situação de algumas partes de nossa política conservadora atual, que possui uma mentalidade atrasada e muito falsamente correta.
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