16 de janeiro de 2014

O LOBO DE WALL STREET (The Wolf of Wall Street, 2013)

Entre o início de 2003 e junho do mesmo ano, eu trabalhava como promotor de vendas em Porto Alegre, onde vendia consórcios e prometia para o cliente que ele conseguiria, em pouco tempo, um carro. No entanto o que eu dizia para ele era um discurso copiado à exaustão, cujas mesmas frases eu dizia para todos os clientes que, infelizmente não liam a letra miúda do contrato quando assinavam e, devido a isso, nada de carro tão cedo na garagem. Quando as vacas começaram a ficar magras e senti a falcatrua no ar cada vez mais empestando aquele lugar, decidi então cair fora e procurar outra coisa mais honesta para mim, antes que fosse tarde demais.

Tempos depois eu soube que alguns foram presos devido a esse esquema e atualmente, até aonde eu sei, essa empresa trabalha apenas em seguros. Somente eu e outro amigo da época é que temos uma ideia de como aquilo era uma loucura, que precisava ser louco para conseguir dinheiro a todo custo, mesmo que, para isso, pudesse custar sua própria alma. Todas essas lembranças de um período de desespero para conseguir um emprego e dinheiro vieram à minha mente ao assistir O Lobo de Wall Street, nova parceria do diretor Martin Scorsese com o ator Leonardo DiCaprio.

Baseado nas memórias de Jordan Belfort, acompanhamos o protagonista interpretado por DiCaprio, que é um corretor de títulos da bolsa norte-americana. Durante o dia ele ganhava milhões de dólares por minuto e nas noites gastava com sexo e drogas, além de viagens internacionais. Dinheiro, poder, mulheres e drogas nunca eram suficientes, porém suas artimanhas e a vida corrupta levaram-no para a prisão. 
É aquela velha historia de que poder corrompe as pessoas. Se a pessoa não sai já no princípio, acaba subindo e subindo até o ponto em que o poder que investiu acaba se tornando sua maldição, mas ao mesmo tempo ela tem o dom de criar ouro, para o bem ou para o mal. Nisso, Scorsese retrata de uma forma enlouquecedora, com uma montagem rápida, câmera sempre em movimento, música ao fundo, diálogos rápidos e afiados, que fazem do filme, mesmo com 3 horas de duração, o longa mais ágil do diretor desde Cassino (de 1995) que possuía o mesmo tempo de projeção. A intenção dele talvez nunca fosse endeusar esse universo mentiroso que foi de Belfort, mas mostrar o seu dia a dia e como precisava ser louco, ambicioso e ter uma energia fora do comum para sobreviver e vencer num mundo como esse.

Loucura e ambição são os ingredientes que moldaram a vida do personagem, sendo que essas virtudes suspeitas, para seguirem em frente sempre lado a lado, era preciso um escape para ele, sendo drogas e mulheres aos montes. Sexo e drogas é outra coisa que chove no filme do Scorsese, onde o protagonista e seus companheiros se esbaldam sem pestanejar em situações loucas e com uma grande dosagem de humor negro que não se via na carreira do diretor há um bom tempo. 

Claro que, além do lado autoral do cineasta, o filme funciona também graças ao ótimo desempenho dos seus atores, principalmente DiCaprio. De uma parceria com Scorsese que iniciou a partir Gangues de Nova York (de 2002), DiCaprio cada vez mais se consolida como um dos melhores intérpretes da nossa geração . Aqui ele simplesmente incorpora o seu personagem de uma forma tão assombrosa e explosiva que fico me perguntando se ele não saiu afetado durante o percurso. Curiosamente, essa energia não se sente em seu personagem no principio do filme, mas sim no personagem Mark Hanna, que deu o empurrão para que Belfort seguisse nesse universo de negócios ilícitos e aqui é interpretado por Matthew McConaughey que, mesmo com poucos minutos em cena, nos brinda com uma cena que se tornou clássica instantaneamente.
Embora sejam baseados em fatos reais, alguns irão suspeitar que algumas situações absurdas (acredite, tem muitas!) na realidade não aconteceram, mas os que vivenciaram aquilo e segundo o próprio Belfort, realmente tudo aconteceu. Então, se presenciarmos um dos protagonistas tomando uma incrível dose de drogas e, mesmo assim, conseguindo dirigir o carro com o corpo todo mole até a sua casa, acredite, realmente aconteceu. Aliás, essa parte é disparada o momento mais ensandecido do filme e tudo causado pelo personagem Donnie Azoff, companheiro de Belfort, interpretado pelo comediante Jonah Hill, no que talvez seja o seu melhor desempenho na carreira.

É claro que os atos finais do filme mostram que o crime não compensa e isso é muito bem representado numa bela seqüência onde vemos o tira bom, interpretado por Kyle Chandler, indo de trem para casa e seguindo sua pacata vida honesta. Um contraste, se compararmos ao destino de Belfort que, embora tenha pagado pelos seus erros, estamos falando da América que se diz a terra das oportunidades, ou seja, para todos. Os minutos finais sintetizam bem isso, onde eu simplesmente não pude deixar de me enxergar no ano de 2003, em meio a dúzias de pessoas em busca dos seus sonhos, mas mal sabendo (ou sabendo muito bem), que sempre há um porém em se tratando de vendas ou a forma mais fácil de conseguir dinheiro na vida.

O Lobo de Wall Street passa o recado para nós, que na realidade somos ovelhas em meio a inúmeros lobos, mas, em vez de sermos devorados, corremos o risco de perder a lã que nos cobre e revelar o lobo que não queremos despertar em nós mesmos.


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