Kenneth Branagh é um
sobrevivente em meio à indústria cinematográfica, pois embora tenha criado uma
carreira sólida tanto como ator como também cineasta, ele nunca exatamente se
vendeu aos engravatados do cinemão americano, mas sim sempre se preocupou em
fazer um cinema de sua autoria e independente de qual gênero ele fosse abraçar.
Das adaptações da obra de Shakespeare (Enrique V e Hamlet) a adaptações de HQ
(Thor), Branagh também ousou se aventurar no horror, ao criar, para mim pelo
menos, a melhor versão do conto de Mary Shelley's, Frankenstein de 1994. Agora
em pleno 2017 o cineasta se arrisca em trazer de volta ao cinema Assassinato no
Expresso do Oriente, obra máxima da escritora Agatha Christie.
O filme se passa nos anos 30, onde um luxuoso trem prossegue em sua
longa viagem pela Europa. Entre os passageiros se encontra o detetive Hercule
Poirot (Kenneth Branagh), um dos melhores do ramo e que é sempre chamado para
investigações misteriosas. Após uma avalanche, do qual deixou o trem parado nos
trilhos, um misterioso assassinato ocorre, sendo que a vitima recebeu doze
facadas e fazendo com que Poirot inicie a investigação que terá desdobramentos
imprevisíveis.
Nem vou me estender muito em fazer comparações dessa versão com a do
clássico de 1974 comandado por Sidney Lumet (Um Dia de Cão), pois embora seja a
mesma trama, ambos os filmes são moldados de uma forma completamente diferente.
Enquanto a versão de Lumet segue de uma forma fiel e simples ao adaptar o conto
da escritora, Branagh opta em fazer com que as passagens do conto criado
naquele período (1934) soem mais verossímeis nos dias de hoje. Não que o
clássico da literatura tenha envelhecido mal, muito pelo contrário, mas Branagh
optou até mesmo em explorar os dilemas e os conflitos que cada um daqueles
misteriosos personagens vive naquele momento no trem e enveredando as situações
até mesmo num grau de verossimilhança aceitável.
Essa versão de Hercule Poirot, por exemplo, criada pelo próprio
Branagh para si soa até mesmo mais humana, pois embora demonstre um lado
pretensioso ao dizer que é o melhor detetive do mundo, ele acaba não escondendo
o quão se sente fragilizado perante uma investigação da qual ele mesmo
reconheça que talvez não esteja preparado para concluí-la. Os fãs mais
conservadores talvez não venham aceitar tais mudanças, mas no meu entendimento
Branagh tirou leite da pedra, pois o resultado nas mãos de outra pessoa poderia
ser muito pior hoje em dia.
Tecnicamente, o filme possui um dos mais belos visuais
cinematográficos do ano, do qual não é preciso de um 3D para que as cenas
saltem na tela, pois os cenários fazem que os nossos olhos brilhem para cada
quadro de cena revelado. Além de uma edição de arte e fotografia que anda
sempre em mãos dadas, Branagh, assim como fez em seus filmes anteriores, usa e
abusa do uso da câmera e fazendo com que ela não tenha limite em alcançar
determinado local de cena: o plano sequência onde se é apresentado cada um dos
personagens principais embarcando no trem antes da partida é disparado um dos
melhores momentos da obra.
Assim como na versão de 1974, o filme é moldado por um elenco estelar,
do qual cada um tem uma função importante e que faz com que as engrenagens da
trama fluem perfeitamente. Mas não esperem grandes interpretações, pois eles
estão ali mais para dar vida à obra de Agatha Christie do que sobrepor ao que
já havia sido feito pela autora. Porém, é preciso reconhecer o esforço de
alguns, principalmente com relação ao belo desempenho de Michelle Pfeiffer que,
ao interpretar a personagem Caroline Hubbard, ela consegue a proeza de moldá-la
com inúmeras camadas, fazendo dela um ser trágico e sintetizando o lado ambíguo
de todos que se encontram naquele trem.
Com uma
referencia explicita a Santa Ceia de Leonardo da Vinci nos seus minutos finais,
Assassinato no Expresso do Oriente de 2017 é cinema autoral de qualidade vindo
do diretor Kenneth Branagh, mesmo quando se preocupa em ser fiel a sua fonte de
origem literária.
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