20 de abril de 2015

A História da Eternidade (2014)

Mais uma vez o cinema pernambucano prova porque é considerado o melhor do cinema nacional atualmente. A História da Eternidade ganhou os prêmios de melhor filme pelo público da 38º Mostra Internacional de São Paulo e melhor filme, direção, ator (Irandhir Santos) e atriz (dividido com as atrizes Marcélia Cartaxo, Zezita Matos e Débora Ingrid) no Festival Paulínia. Estreando como diretor, Camilo Cavalcante foca a trama num pequeno vilarejo no meio do sertão que, aparentemente sem muita importância, mas logo se percebe que ali se guarda muita história para se contar.

Basicamente a trama foca o dia a dia de três mulheres, sendo que cada uma possui uma batalha interna particular, onde se contém desejos, repressões e sonhos que dificilmente podem ser realizados, mas que também não custa sonhar um pouco. Curiosamente a trama é dividida em capítulos: Pé de Galinha, Pé de Bode e Pé de Urubu, sendo que, se nos aprofundarmos em cada uma das partes, iremos entender que os títulos têm muito haver o que acontece nas tramas.

Embora sendo estreante, Cavalcante surpreende na criação de cenas das quais cada uma é um verdadeiro mosaico de detalhes com um significados profundo. O filme se abre com um plano sequência (lembrando que haverá mais desses planos sem cortes no decorrer do filme) onde a câmera se encontra imóvel e focando um homem embaixo de uma árvore tocando a sua sanfona. Imediatamente surge um cortejo fúnebre de uma criança que veio a falecer e assim partimos para história de uma das três protagonistas.

Nada é explícito, sendo que a câmera somente apresenta a história, o que exige maior atenção do espectador. Aparentemente dá entender que a criança morta pertencia a Querência (Marcélia Cartaxo), mulher que aparenta os anos em que viveu naquele lugar, se entregando ao luto, mas que começa a receber inúmeras declarações de amor do sanfoneiro cego (Leonardo França). Já a simpática Das Dores (Zezita Matos) recebe a inesperada - e suspeita - visita do neto que, para nossa surpresa, sua vinda acaba despertando desejos sexuais reprimidos dela.

Por último, mas não menos importante, temos a adolescente Alfonsina (Débora Ingrid) que possui um desejo compulsivo de conhecer o mar, mas vive presa nos afazeres domésticos da família formada por homens que, por sua vez, é comandado por um pai conservador (Claudio Jaborandy). No entanto, a garota encontra o seu refúgio particular no universo de arte do seu tio Joãozinho (Irandhir Santos, ótimo) que, por sua vez, faz com que ela tenha fé em visitar o mar um dia. Uma clara referência ao filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, onde os protagonistas vivem com o desejo de se encontrar com uma parede de mar em meio ao deserto infinito.

Além das tramas que nos encantam, o filme é tecnicamente impecável, onde cada parte cumpre o seu papel, fazendo da obra uma sessão inesquecível. A fotografia granulada e singela de Beto Martins que, para alguns, é inspirada nas cenas dos quadros do pintor Caravaggio. E a trilha sonora, majestosamente composta pelos compositores Dominguinhos e Zbigniew Preisner, dá um tom dramático nas cenas e é dificilmente esquecida após os momentos em que é tocado na trama.

Embora a trama gire a todo o momento nas três protagonistas, é realmente o personagem Joãozinho que rouba a cena. Mas isso não é muita surpresa, já que o personagem é interpretado por Irandhir Santos (de Tatuagem) considerado por muitos críticos como um dos melhores intérpretes do nosso cinema atual. Atenção para a cena em que ele dubla em meio ao vilarejo a canção "FALA" do grupo Secos e Molhados, onde a câmera dá um giro de 360º graus nele e fazendo da cena um dos melhores momentos do filme.

Nitidamente fazendo referências a outros clássicos do cinema brasileiro (como Vidas Secas e Pixote), A História da Eternidade é um filme sobre fé, sonhos e desejos que, se não são alcançados, não significa que não podem ser sentidos.


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