"Há algo de podre no reino da Dinamarca!"
Essa frase me veio à cabeça quando assisti pela primeira vez Trabalhar Cansa, obra dos cineastas Juliana Rojas e Marco Dutra. Vindo dos curtas experimentais, a dupla se arrisca ao criar um suspense, que oscila entre o drama e o sobrenatural, sendo que, nesse último caso, a situação é muito mais sugerida do que explicita, o que torna a obra ainda mais interessante.
Na verdade, o filme vai mais para um terror psicológico, já que o casal central, Helena e Otávio (Helena Albergaria e Marat Descartes), se colocam em teste de força física e mental: ela decide abrir um mercadinho e administrá-lo, mas ele perde o emprego de gerente e começa a sua via crucis para conseguir um novo emprego. Não tem como não se identificar com eles, principalmente com Otávio, que passa por entrevistas de emprego que, para nós que já atravessamos isso numa parte da vida, é duramente real, para não dizer patético e depressivo.
No final, as situações de ambos afetam um ao outro, pois Helena começa a ficar obcecada em se tornar bem sucedida no seu mercadinho, nem que para isso tenha que ser dura perante seus empregados, que temem pelo desemprego e venham a passar por um novo martírio em busca de algo novo. Mas algo afeta Helena. Há algo de estranho no ar; desde um cachorro que ameaça sempre mordê-la, como também um cheiro de esgoto que, por sua vez, começa a transbordar no piso. A situação piora quando uma parede começa a mostrar sinais de vazamento interno (ou de algo escondido atrás dela).
Todas essas situações são filmadas de uma forma que pareça que há algo de sobrenatural, tanto no mercadinho, como também na própria residência do casal. Entretanto, tudo é apresentado de uma forma ambígua, nos fazendo levantar inúmeras interpretações sobre o que realmente está acontecendo. Se fossemos simplificar, o filme seria uma espécie de crítica ao capitalismo, que torna o mundo lá fora uma verdadeira terra selvagem, onde somente o mais forte e persistente sobrevive.
Sendo assim, os pontos de suspense, que sugerem algo de sobrenatural, seriam apenas algo para acrescentar, para tornar muito mais opressora a atmosfera da vida daquelas pessoas, a partir do momento que surgem os problemas. Ou, então, há realmente algo por de trás da cortina, mas, devido aos problemas do dia a dia que eles passam, esse mistério acaba sendo deixado de lado por eles, mesmo quando eles o encaram no ato final da trama, que por sinal é genial.
Com minutos finais que sintetizam a verdadeira selva da disputa para uma vida bem sucedida profissionalmente, Trabalhar Cansa surpreende por nos colocar a par dos nossos medos internos. Não dá possibilidade de haver um bicho-papão embaixo da nossa cama, mas por estarmos sujeitos a um dia nos submetermos a passar por uma realidade dura que, por vezes, mastiga e nos cospe fora.
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