Num determinado momento da primeira hora de Azul é a cor mais quente, Adele (Adèle Exarchopoulos) tem um sonho erótico com relação à garota que havia cruzado na rua, Emma (Léa Seydouxs). No princípio, o travesseiro que ela usava era todo branco, mas bastou ela começar a ter o sonho, que ele começou a ficar manchado de azul, ao ponto de ficar diferente da primeira cena em que ele surgiu. Essa seqüência representa muito bem inúmeros momentos do filme, em que objetos de cena, assim como o fundo do cenário, possuem a cor azul. Tais cenas transmitem a ideia de que talvez eles não estejam exatamente nesta cor, mas estão assim devido aos pensamentos de Adele, que transbordam na tela, principalmente com relação à pessoa que ela busca para amar.
Dirigido por Abdellatif Kechiche (O Segredo do Grão, 2007), e baseado na HQ escrita por Julie Maroh, Azul é a cor mais quente me fez sentir o mesmo de quando eu havia assistido O Segredo de Brokeback Mountain de Ang Lee: não é sobre a relação de duas pessoas do mesmo sexo, mas sim sobre uma história de amor como qualquer outra, de altos e baixos e que para o bem ou o mal, lhes trazem sofrimento, mas amadurecimento com relação a certos obstáculos da vida. Com isso, não tem como a pessoa não se identificar com os personagens, seja hétero ou não.
Mais do que uma história de amor, o filme também desvenda como, por vezes, é difícil a vida, com relação ao saber o que realmente a pessoa quer para ela, principalmente na fase da adolescência. Nessa época, algumas vezes, nós mesmos nos pegávamos de uma maneira deprimida, mas não sabíamos por quê; parece que falta algo para a gente ser feliz ou que a gente não descobriu outro lado de nós. Adele é mais ou menos assim: vivendo o dia a dia, indo e voltando para escola, mas com pensamentos e dores internas nas quais ela mesma não pode explicar nem para ela mesma.
Tudo isso é mostrado gradualmente pela câmera de Kechiche, onde ele consegue extrair cada gesto, detalhes e pensamentos vindos dos olhos da protagonista, criando um verdadeiro mosaico, tanto de imagens sugestivas, como também fazer com que a gente consiga saber o que ela pensa através dos seus olhos. Isso muito se deve também a estupenda interpretação de Adèle Exarchopoulos, que carrega todo o filme nas costas, mas de uma maneira surpreendente, segura e se transformando numa das grandes revelações do ano.
Embora com suas três horas de duração, o longa-metragem desperta curiosidade com relação ao destino da personagem, fazendo com que nos tornemos parceiros ao lado dela nessa jornada. Bom exemplo é a primeira hora do filme que, embora Adele tenha cruzado e trocado olhares com Emma na primeira meia hora de filme, leva um bom tempo até elas se reencontrarem. Até lá, vivenciamos as descobertas que a protagonista experimenta, desde fazer sexo pela primeira vez com um rapaz, como também ter o seu primeiro beijo com outra garota.
Chega o ponto em que sabemos o que Adele quer: achar Emma e liberar o que ela quer soltar a todo custo, mesmo demonstrando um comportamento um tanto que contido. O reencontro finalmente acontece num bar, onde conhecemos Emma e descobrimos que ela não é somente uma bela imagem Angelical que despertou os desejos da protagonista, como também uma garota entendida e resolvida na vida como uma artista. Embora Léa Seydoux não possua o mesmo tempo de cena de Adele Exarchopoulos, ela simplesmente domina em cena quando ela surge, passando segurança de sua personagem, protagonizando momentos fortes e que não deve nada para a sua colega de cena.
Com o reencontro e o inicio de uma forte relação amorosa, surge a tão badalada e polêmica cena de amor entre as duas. Embora tenha causado furor no Festival de Cannes devido a essa cena, o que vemos não é nada gratuito, mas sim justificado. Durante mais de uma hora de filme vemos a protagonista em uma cruzada para liberar os seus desejos internos e o que vemos é o resultado mais do que justo. Graças a Abdellatif Kechiche e sua câmera, vemos uma cena de sexo de uma maneira bela, onde presenciamos cada centímetro dos corpos das duas e passando para nos a sensação de fusão de pele entre ambas as protagonistas, criando assim uma visão incomum, em sete minutos que sintetiza muito bem o que ambas sentem uma pela outra naquele momento forte e singelo.
Após isso, presenciamos a construção dessa relação, onde elas conhecem aos poucos o mundo de cada uma delas, desde os seus atrativos, como também suas imperfeições. Como em toda relação que se preze, o que começa como uma bela historia de amor, acaba não sendo exatamente o que se esperava. Não que ambas não se amem, mas são suas personalidades distintas que colocam a relação em xeque.
Enquanto Emma sabe o que realmente quer na vida, Adele ainda se encontra num redemoinho de incertezas, que há faz descascar outras camadas de sua confusão de pensamentos e sentimentos. A conseqüência disso faz com que elas se coloquem num desafio de saber sobreviver numa realidade em que o amor, por mais que o desejamos, machuca e nos faz nos levar num caminho sem retorno. Provocamos os nossos atos, mas as conseqüências sempre será outra história a ser enfrentada.
Em seu ato final, vemos as protagonistas sobrevivendo às conseqüências de suas escolhas, mas jamais mudando o que ambas sentem uma pela outra. Não há um final feliz, mas também não é nenhuma tragédia, e sim um recomeço, no qual desejamos segui-lo e saber qual seria o próximo passo delas.
Apesar das três horas de duração, Azul é a cor mais quente é um filme a ser degustado, saboreado vagarosamente e deve ser visto com mente aberta. Os que não entendem o que eu quero dizer, que fiquem do lado de fora do cinema.
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